12.04.2017
CONSOLO
Salmo 23
Salmo de Davi.
1 O SENHOR é meu pastor, e nada me faltará. 2 Ele me faz repousar em verdes pastos e me leva para junto de riachos tranquilos. 3 Renova minhas forças e me guia pelos caminhos da justiça; assim, ele honra o seu nome. 4 Mesmo quando eu andar pelo escuro vale da morte, não terei medo, pois tu estás ao meu lado. Tua vara e teu cajado me protegem. 5 Preparas um banquete para mim na presença de meus inimigos. Unges minha cabeça com óleo; meu cálice transborda. 6 Certamente a bondade e o amor me seguirão todos os dias de minha vida, e viverei na casa do SENHOR para sempre.
A felicidade é um cobertor quentinho!
A segunda parte do verso 4 é o nosso texto para hoje. Diz assim:
Tua vara e teu cajado me protegem.
Snoopy e sua turma, nas histórias em quadrinhos, foram alguns dos personagens preferidos de minha infância. Ele é o cãozinho da raça beagle de um garoto chamado Charlie Brown (que, no Brasil, tem o apelido de “Minduim”).
Charle Brown é azarado e melancólico. Snoopy, apesar de ser um cachorro, datilografa histórias em que ele mesmo vive os personagens; Snoopy também joga no time de beisebol. O melhor amigo de Snoopy é um pássaro descabelado: o Woodstock. O melhor amigo de Charle Brown é Linus van Pelt.
Linus, apesar de muito inteligente — ele é o filósofo da turma e muitas vezes cita os Evangelhos —, carrega traços bastante infantis. Por exemplo: ele não desgruda de seu cobertor azul; anda de um lado para o outro arrastando-o pelo chão, enquanto chupa o dedão da outra mão. Por isso é que muitas vezes ele é objeto de escárnio dos outros personagens, especialmente de sua irmã mal-humorada Lucy.
Apesar de viver sendo pressionado a abandonar seu cobertor, do qual ele tem uma dependência crônica — chegando a entrar em desespero quando Lucy o esconde, Linus nunca o abandona. Por quê? Ele é seu “cobertor de segurança”. Agarrado ao cobertor azul, Linus se consola, pois sente-se seguro e protegido. Uma de suas história traz o seguinte título: “A felicidade é um cobertor quentinho!”
Numa tirinha que li recentemente, Linus fica sabendo que sua avó iria visitá-lo. Ele entra em pânico, pois sua avó detesta o seu cobertor. Ele, então, tem uma ideia: despachar o cobertor pelos correios, sendo que para a entrega da encomenda ele anota o próprio endereço. Aí ele diz: “Dessa forma, quando o cobertor chegar, minha avó já terá ido embora!”. Ou seja: por um tempo, ele se desapega fisicamente do cobertor, mas continua ligado a ele pela esperança de sua chegada. Chamamos isso de fé.
Necessidade de consolo
Quando crianças, todos nós temos um “cobertor de segurança” aonde nos voltamos em busca de consolo e de proteção: a chupeta, o travesseirinho, a fralda no nariz, o dedo na boca, o super-herói, o ursinho, a boneca, o amigo imaginário, o animal de estimação, o cantinho da casa, a camiseta, etc. Ao crescermos, essas coisas geralmente se vão, mas a necessidade de consolo e proteção permanece. Afinal, somos todos carentes dessas coisas.
No texto que temos para hoje, Davi nos mostra o seu “cobertor de segurança” — “Tua vara e teu cajado me protegem [consolam]” (Sl 23.4).
Estamos vivendo num mundo sem o mínimo de consolo.
Cada um de nós se encontra tão atarefado, cuidando de suas próprias necessidades, consolando suas tristezas pessoais ou daqueles mais chegados, que bem pouco tempo sobra para cuidar e consolar os outros.
Nosso é um mundo solitário e sem amor. Mas é em face dessa situação que surge Jesus, o Bom Pastor, para oferecer-se ao seu rebanho na qualidade de consolador na hora da tristeza humana.
Que tipo de consolo o Bom Pastor nos provê? “Consolar” é o verbo hebraico “nāham”, que também significa: confortar, proteger, vingar, demonstrar bondade e compaixão — a tradução sempre dependerá da forma verbal utilizada pelo autor sagrado.
De que forma o Bom Pastor consola? O consolo vem da vara e do cajado do pastor. Enquanto a vara é arma, o cajado é ferramenta. A vara é para a proteção. O cajado é para o pastoreio. A vara é arma de defesa e o cajado ferramenta para o cuidado pastoral.
Quando o Bom Pastor traz o consolo? O consolo é provado nas horas difíceis: “Mesmo quando eu andar pelo escuro vale da morte, não terei medo, pois tu estás ao meu lado. Tua vara e teu cajado me protegem.” (Sl 23.4)
Comentando sobre este versículo, Robert Ketcham escreveu:
É justamente na hora da mais profunda tristeza que, com mais frequência, descobrimos quão gracioso e sustentador é realmente o nosso pastor! Há certas coisas na pessoa do Senhor Jesus Cristo que nunca podem ser descobertas na luz. Algumas das mais doces e preciosas realidades do Salvador são encontradas somente “quando eu andar pelo escuro vale da morte”.
Falando aos que são seus, o Senhor declarou:
Is 43.1-3 | 1 Mas agora, ó Jacó, ouça o SENHOR que o criou; ó Israel, assim diz aquele que o formou: “Não tema, pois eu o resgatei; eu o chamei pelo nome, você é meu. 2 Quando passar por águas profundas, estarei a seu lado. Quando atravessar rios, não se afogará. Quando passar pelo fogo, não se queimará; as chamas não lhe farão mal. 3 Pois eu sou o SENHOR, seu Deus, o Santo de Israel, seu Salvador [hebraico: yâša‘ — libertador, ajudador, salvador: qualidades do pastor]” […]
Esses versículos não prometem que ficaremos imunes ao sofrimento e à tristeza, mas garantem que, quando eles nos sobrevierem, o Bom Pastor os atravessará juntamente conosco, e providenciará para que as feras não nos destruam, as águas não nos afoguem e as chamas não nos transformem em cinzas. Foi assim com Noé no dilúvio, com Israel no deserto, com Daniel na fornalha de fogo e será também com cada um de nós, seus filhos e ovelhas de seu pasto. Afinal, sua vara e seu cajado nos protegem (consolam).
A vara e o cajado
Muito foi dito sobre a vara e o cajado do pastor. Phillip Keller (Nada me faltará — ed. Betânia) argumenta que a vara e o cajado 1eram instrumentos de autoridade e de defesa; 2serviam também para examinar, contar e disciplinar as ovelhas (Ez 20.37); 3traziam as ovelhas para um contato mais íntimo com o pastor e 4dirigiam as ovelhas. Para Keller, enquanto a vara simboliza a Palavra de Deus, o cajado simboliza o Espírito Santo.
Seja como for, realmente, o contato que Deus mantém com o seu povo se dá pela Palavra e pelo Espírito. Consolo e proteção, cuidado e disciplina, comunhão e direção são a nós dispensados por Deus através da Palavra, no poder do Espírito. Ouça o relato da experiência de Paulo entre os Tessalonicenses, por exemplo:
1Ts 1.4-6 | 4 Sabemos, irmãos, que Deus os ama e os escolheu. 5 Pois, quando lhes apresentamos as boas-novas, não o fizemos apenas com palavras, mas também com poder, visto que o Espírito Santo lhes deu plena certeza de que era verdade o que lhes dizíamos. E vocês sabem como nos comportamos entre vocês e em seu favor. 6 Assim, apesar do sofrimento que isso lhes trouxe, vocês receberam a mensagem com a alegria que vem do Espírito Santo e se tornaram imitadores nossos e do Senhor.
A Palavra, pelo Espírito, salva, santifica, protege, dirige, disciplina e consola as ovelhas de Cristo. Martinho Lutero, comentando o Salmo 23, verso 4, escreveu assim:
“O Senhor,” diz Davi, “está comigo, mas não corporalmente, de forma que eu possa vê-lo ou ouvi-lo. Essa presença do Senhor de que estou falando não deve ser compreendida pelos cinco sentidos. Mas a fé a vê e crê que o Senhor está mais próximo de nós do que nós estamos de nós mesmos.” Como? Através de sua Palavra. Ele diz, portanto: “Tua vara e teu cajado me protegem”. É como se Davi dissesse: “Em todas as minhas angústias e dificuldades, não encontro nada na terra que possa me satisfazer. Mas então a Palavra de Deus é a minha vara e o meu cajado. A essa Palavra eu me apego, e por ela me ergo novamente. Também aprenderei com certeza que o Senhor está comigo e que Ele não só me fortalece e conforta com essa mesma Palavra em todas as angústias e tentações, mas também que me redime de todos os meus inimigos, contrariando às vontades do diabo e do mundo.”
Para vermos como a Palavra, pelo Espírito, isto é: como a vara e o cajado consolam a ovelha de Jesus, vejamos onde e como, nos Salmos, o verbo “consolar” (nāham) foi também usado. Há muito para se aprender com esse exercício. Observe:
1) Desfruta-se da vara e do cajado do Bom Pastor, indo a Deus em oração:
Sl 69.16-20 | 16 Responde às minhas orações, ó SENHOR, pois o teu amor é bom. Cuida de mim, pois a tua misericórdia é imensa. 17 Não te escondas de teu servo; responde-me sem demora, pois estou aflito. 18 Vem e resgata-me; livra-me de meus inimigos! 19 Tu sabes que sofro zombaria, vergonha e humilhação; vês tudo que meus inimigos fazem. 20 Os insultos deles me partiram o coração; estou desesperado! Se ao menos alguém tivesse piedade de mim; quem dera viessem me consolar.
Sl 86.17 | Mostra-me um sinal do teu favor; então serão envergonhados os que me odeiam, pois tu, SENHOR, me ajudas e me consolas.
2) Desfruta-se da vara e do cajado do Bom Pastor, aceitando a providência amarga de Deus:
Sl 71.20-21 | 20 Permitiste que eu passasse por muito sofrimento, mas ainda restaurarás minha vida e me farás subir das profundezas da terra. 21 Tu me darás ainda mais honra e voltarás a me confortar.
3) Desfruta-se da vara e do cajado do Bom Pastor, perseverando com fé e esperança:
Sl 77.1-3, 9-12, 20 | 1 Clamo a Deus; sim, grito bem alto. Quem dera Deus me ouvisse! 2 Quando eu estava angustiado, busquei o Senhor. Orei a noite toda, de mãos estendidas para o céu, mas minha alma recusou ser consolada. 3 Lembro-me de Deus e começo a gemer; desfaleço, ansioso por sua ajuda. Interlúdio […] 9 Deus se esqueceu de ser bondoso? Em sua ira, fechou a porta para a compaixão? Interlúdio 10 Pensei: “É por esta razão que sofro; o Altíssimo voltou sua mão direita contra mim”. 11 Depois, porém, lembro-me de tudo que fizeste, SENHOR; recordo-me de tuas maravilhas do passado. 12 Estão sempre em meus pensamentos; não deixo de refletir sobre teus poderosos feitos. […] 20 Conduziste teu povo como um rebanho de ovelhas, pelas mãos de Moisés e Arão.
4) Desfruta-se da vara e do cajado do Bom Pastor, mantendo comunhão na Palavra:
Sl 119.49-52 | 49 Lembra-te da promessa que fizeste a este teu servo; ela é minha esperança. 50 Tua promessa renova minhas forças; ela me consola em minha aflição. 51 O tempo todo os orgulhosos me desprezam, mas eu não me desvio de tua lei. 52 Medito em teus estatutos tão antigos; ó SENHOR, eles me consolam!”
5) Desfruta-se da vara e do cajado do Bom Pastor, recebendo a disciplina amorosa de Deus:
Sl 119.74-77 | 74 Que eu seja motivo de alegria para os que te temem, pois em tua palavra depositei minha esperança. 75 Eu sei, ó SENHOR, que teus estatutos são justos; tu me disciplinaste por tua fidelidade. 76 Agora, que o teu amor me console, como prometeste a este teu servo. 77 Cerca-me de tua compaixão, para que eu viva, pois tenho prazer em tua lei.
A vara e o cajado são fonte de consolo para as ovelhas de Jesus, pois através deles é que somos todos protegidos, cuidados, disciplinados… enfim, salvos e santificados.
Consolo pelo ministério da Palavra
Como aplicação prática deste texto do salmo de Davi, encorajamos cada um de vocês a se submeterem à vara e ao cajado do Senhor através do ministério da Palavra — i.e.: a pregação, o ensino e a vida devocional disciplinada.
Sobre a pregação como vara e cajado de Deus, Lutero disse assim:
Aqui o profeta também toca no ofício de pregar. Por meio da pregação oral da Palavra, que entra nos ouvidos e toca o coração pela fé, […] a saber, que os homens são levados à fé, fortalecidos na fé, mantidos na doutrina pura, e no final são capazes de suportar todos os assaltos do diabo e do mundo. Sem [a] Palavra […], não obtemos nenhuma dessas coisas. Pois, desde o princípio do mundo, Deus tem tratado com todos os santos através de sua Palavra e, além disso, lhes deu [o ministério da igreja]. Digo isto para que ninguém se arrisque a lidar com Deus sem esses meios ou a construir para si próprio um caminho especial para o céu, para que não caia e quebrasse o pescoço, […].
Para Lutero, a pregação do evangelho de Cristo é a vara e o cajado pelos quais “as almas obtêm descanso, conforto e alegria”. Ele acrescenta:
No pastoreio espiritual, isto é, no reino de Cristo, devemos, portanto, pregar às ovelhas de Cristo […] Aqueles que pregam dessa maneira [o evangelho de Jesus], conduzem corretamente o ofício de pastor espiritual, alimentam as ovelhas de Cristo em pastos verdes, levam-nas para as águas tranquilas e doces, restauram suas almas, evitam que elas sejam levadas a se desviar e consolam-nas com a vara e o cajado de Cristo. Onde as pessoas ouvirem tais pregadores, devem crer com certeza que estão ouvindo a Cristo. Elas também devem reconhecer tais pregadores como pastores de verdade, isto é, como “servos de Cristo, encarregados de explicar os mistérios de Deus” (1Co 4.1), e não prestem atenção ao fato de que o mundo os proclamem e os amaldiçoem como hereges e sedutores.
A vara e o cajado — a Palavra de Deus pela iluminação do Espírito Santo é a fonte de consolo para o coração do crente. No seu livro Comunhão com o Deus Trino (ed. Cultura Cristã), John Owen apresentou o caminho para um relacionamento consolador com o Senhor. Um dos aspectos dessa doce comunhão se fundamenta nas promessas de Cristo (reveladas na Escritura) iluminadas pelo Espírito Santo. Com essa citação nós encerrados:
A vida e a essência de todo o nosso consolo estão nas promessas de Cristo; elas são a fonte de toda a nossa consolação. Quem não conhece quão destituídas de poder são elas na mera letra, mesmo quando cultivadas ao máximo por nossas considerações e meditações nelas? E também a maneira como, por vezes, elas inesperadamente sobrevêm à alma com vida e vigor vitoriosos e ternos?
Aqui a fé trata peculiarmente do Espírito Santo. Ela considera as promessas, busca-o, espera-o, considera sua presença na palavra em análise, reconhece-o em sua obra e eficácia. Assim que a alma começa a sentir a vida de uma promessa aquecendo seu coração, aliviando, afagando, suportando, livrando de medos, enredos e problemas, ela sabe que o Espírito Santo está ali, o que se adiciona à sua alegria e a leva à comunhão com ele.
A Palavra de Deus pela iluminação do Espírito Santo é a fonte de consolo para o coração do crente. Submeta-se à Palavra de Deus.
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