25.12.2019
A GLÓRIA DE CRISTO NA MANJEDOURA
Lucas 2.7
Maria deu à luz seu primeiro filho, um menino. Envolveu-o em faixas de pano e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria.
A MANJEDOURA
O estilo e o tamanho das casas na Palestina do período bíblico eram determinados pela tradição e pelos recursos da família. Aqueles com dinheiro geralmente tinham casas de dois andares com vários quartos. O andar superior era uma espécie de terraço. O pavimento inferior, geralmente, era dividido; de um lado, a área de dormir da família e do outro, a baia para os animais (geralmente: cavalos, jumentos e gado). Os animais certamente exalavam algum aroma, mas também proporcionavam o calor necessário.
Uma manjedoura — ou cocho de alimentação (isto mesmo, manjedoura é o nome chique para cocho!) — seria um equipamento normal e necessário (na forma de caixa ou calha), para se fornecer água, silo e forragem para os animais acomodados na baia da casa. Manjedouras eram feitas de barro misturado com palha ou de pedras cimentadas com lama. Há escavações na região de Megido onde foi descoberta uma manjedoura cortada de um bloco de calcário. Manjedouras também eram esculpidas em afloramentos naturais de rochas ou feitas de madeira ou alvenaria.
Manjedoura vem do verbo latino manducare, que significa mastigar. Lucas usa a mesma palavra de 2.7 (manjedoura, do grego phátnē) noutro lugar 13.15, quando relata a resposta de Jesus aos fariseus:
“Hipócritas! Todos vocês trabalham no sábado! Acaso não desamarram no sábado o boi ou o jumento do estábulo [manjedoura] e o levam dali para lhe dar água?”
Pois bem: A manjedoura que serviu de berço para Jesus era de pedra ou de madeira? Nós não sabemos. Ela estava cheia de feno ou palha? Não sabemos. José pode ter feito o papel de bom pai, limpando quaisquer restos do que os animais estavam comendo ou bebendo, substituindo por algo macio e fresquinho.
O que podemos deduzir é que aquela manjedoura teria sido grande o bastante para acomodar um bebê, sendo, portanto, o primeiro berço de Jesus (Lucas 2.7):
Maria deu à luz seu primeiro filho, um menino. Envolveu-o em faixas de pano e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria.
Tanto quanto hoje, era incomum colocar bebê recém-nascido em manjedoura. Como sabemos que era improvável? Porque esse era um dos sinais que o anjo deu aos pastores, indicando a eles como eles poderiam encontrar o bebê Jesus (vs. 11-12):
“11Hoje em Belém, a cidade de Davi, nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor! 12Vocês o reconhecerão por este sinal: encontrarão o bebê enrolado em faixas de pano, deitado numa manjedoura”.
Evidentemente, os pastores conheciam os lugares em Belém que teriam manjedouras, tanto que eles encontraram José, Maria e Jesus sem muita dificuldade (v. 16):
Indo depressa ao povoado, encontraram Maria e José, e lá estava o bebê, deitado na manjedoura.
O REI DEITADO NUMA MANJEDOURA
É de tirar o fôlego (aos que conseguem ver): o Rei está deitado numa manjedoura!
Lucas é o único autor da Bíblia a usar a palavra manjedoura no Novo Testamento. E o que ele faz com essa única palavra — de fato, o que Deus faz com esse cocho —, de tão glorioso (de novo, aos que conseguem ver), é suficiente para nos fazer pular de alegria.
Qual é a mensagem de Lucas através da manjedoura? O que há da glória de Cristo estampado no fato de que o Rei está deitado numa manjedoura?
1 O rico que se fez pobre
A manjedoura nos descreve a pobreza de Jesus. José e Maria não conseguiriam pagar por um quarto digno do parto de um bebê (quanto mais se tratando do bebê em questão: o dono de todas as coisas!), mesmo que houvesse algum disponível. Papai José e mamãe Maria dispunham de recursos apenas para as necessidades mais elementares. Tinham o bastante só para comer, beber e se alojar nalgum cômodo bem modesto.
A glória deste acontecimento está no fato de que o rico se fez pobre, o dono de toda prata e de todo ouro abriu mão de sua riqueza para vir a nós de forma que todos possam ter a ele acesso. A glória deste fato está em que a beleza não reside, necessariamente, na riqueza, no luxo ou em toda pompa, mas em gestos de abnegação e amor em favor do outro. Ageu deixou tudo isso muito claro quando profetizou a vinda de Jesus, que entraria no templo e, finalmente, estabeleceria o novo templo: a igreja de Cristo. Ageu 2.8-9:
8Minha é a prata, meu é o ouro, diz o SENHOR dos Exércitos. 9A glória desta última casa será maior do que a da primeira, diz o SENHOR dos Exércitos; e, neste lugar, darei a paz, diz o SENHOR dos Exércitos.
O rico se fez pobre para nos enriquecer com a glória de sua presença nas regiões celestiais em Cristo (Ef 1.3). Paulo escreveu assim, 2Coríntios 8.9:
Vocês conhecem a graça de nosso Senhor Jesus Cristo. Embora fosse rico, por amor a vocês ele se fez pobre, para que por meio da pobreza dele vocês se tornassem ricos.
A manjedoura revela que glória e beleza não estão em se ter, esbanjar e ostentar, mas em abrir mão e se entregar para enriquecer a outros (com graça e glória). Isto Cristo fez por nós: “Embora fosse rico, por amor a vocês ele se fez pobre, para que por meio da pobreza dele vocês se tornassem ricos.”
2 O Rei que se humilhou
Além de pobreza, a manjedoura nos descreve a humildade de Jesus. Sendo Cristo o Rei da glória, o Rei dos reis (Sl 24.7-10), ele deixou o trono do céu para ser entronizado em um cocho de alimentação para animais domesticados. Certamente o Filho de Deus merecia mais que isso! Mas Ele não o exigiu nem o requereu, ao contrário: Ele é Deus se abaixando para se identificar com a humanidade pecaminosa, vindo como um dos mais baixos dos mais baixos para tomar suas ovelhas no colo da salvação.
A grande palavra teológica para esse gesto do SENHOR é “condescendência” ou “humildade”. Está melhor expressa e ilustrada em Filipenses 2.6-8:
6Embora sendo Deus, não considerou que ser igual a Deus fosse algo a que devesse se apegar. 7Em vez disso, esvaziou a si mesmo; assumiu a posição de escravo e nasceu como ser humano. Quando veio em forma humana, 8humilhou-se e foi obediente até a morte, e morte de cruz.
A glória de Cristo na manjedoura: O Rei que se humilhou, tomou a nossa natureza e a redimiu para nos exaltar nele nas regiões celestiais. John Owen, no denso e deleitoso livro A Glória de Cristo, escreveu assim sobre esse gesto gracioso do Senhor Jesus Cristo:
Nesta condição – perdida, pobre, rebaixada, de fato, amaldiçoada – o Senhor Cristo, o Filho de Deus, encontrou a nossa natureza [tomando-a para si]. E aqui, com infinita condescendência e compaixão, santificando uma parte dela para si mesmo, ele a tomou para ser a sua própria, em uma santa, inexprimível substância, em sua própria pessoa. E aqui de novo a mesma natureza, tão abatida ao nível de extrema miséria, foi exaltada acima de toda a criação de Deus. Pois naquela mesma natureza, Deus o colocou “acima de todo principado, potestade, poder, domínio e de todo nome que se possa mencionar, não só no presente século, mas também no vindouro” (Ef 1.21). Isto é aquilo que é celebrado pelo salmista, com a mais alta admiração (Sl 8.3-8). Este é o maior privilégio que nós temos entre todas as criaturas, nisto nós podemos nos gloriar e vangloriar.
O Rei que se humilhou para nos exaltar nele nas regiões celestiais. Romanos 8.17:
Se somos seus filhos, então somos seus herdeiros e, portanto, co-herdeiros com Cristo. Se de fato participamos de seu sofrimento, participaremos também de sua glória.
3 O recurso que Deus usou
A manjedoura também revela o recurso que Deus usou.
Em um primeiro momento, alguém pode pensar que foi um acaso do destino — um infortúnio aleatório. Afinal, Lucas diz que Maria “deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria” (Lc 2.7). Mas tudo aquilo foi soberana e providencialmente planejado.
Deus teve séculos para se preparar para aquele nascimento. O profeta Miquéias viveu 700 anos antes do nascimento de Jesus e profetizou que o Messias nasceria em Belém. Miquéias 5.2:
Mas você, ó Belém Efrata, é apenas uma pequena vila entre todo o povo de Judá. E, no entanto, um governante de Israel, cujas origens são do passado distante, sairá de você em meu favor.
Ou seja: Deus teve bons sete séculos (e mais!) para planejar os detalhes da encarnação e organizar a chegada de seu Filho no lugar certo, na hora certa e da maneira certa. Por exemplo, o Senhor poderia facilmente ter arranjado que uma virgem fiel e um homem justo, da linhagem de Davi, fossem moradores de Belém de acordo com a profecia do profeta. Mas, em vez disso, Deus escolheu Maria e José, que moravam em Nazaré, não em Belém. E ele planejou que Maria engravide longe da cidade profetizada.
Agora, para resolver esse “problema” — que o próprio Deus havia criado — Deus poderia ter providenciado levar José e Maria a Belém por alguns meios mais pessoais e delicados. Por exemplo: o convite de algum parente ou um sonho ou o anjo Gabriel ou qualquer assunto comercial particular. Mas Deus não fez dessa maneira. Em vez disso…
Deus mudou José e Maria de Nazaré para Belém por meio de um censo do império. Em outras palavras, Deus providenciou que o líder mais poderoso do mundo ordenasse que todos no império fossem à cidade de sua origem para se recensear. Lucas 2.1-7:
1Naqueles dias, o imperador Augusto decretou um recenseamento em todo o império romano. 2(Esse foi o primeiro recenseamento realizado quando Quirino era governador da Síria.) 3Todos voltaram à cidade de origem para se registrar. 4Por ser descendente do rei Davi, José viajou da cidade de Nazaré da Galileia para Belém, na Judeia, terra natal de Davi, 5levando consigo Maria, sua noiva, que estava grávida. 6E, estando eles ali, chegou a hora de nascer o bebê. 7Ela deu à luz seu primeiro filho, um menino. Envolveu-o em faixas de pano e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria.
Você pode chamar isso de exagero providencial, injustiça ou insensibilidade. Afinal, se o anjo anunciou a gravidez, por que ele também não foi anunciar o nascimento, com bem mais antecedência? Por que mobilizar o império romano inteiro? A verdade é que, quando as coisas parecerem estar fora de medida ou proporção, quando parecerem injustas ou indesejáveis, nós não temos a menor ideia do que Deus esteja fazendo globalmente. Nós não tem ideia. Mas Deus sempre faz as coisas exatamente como ele quer, cumprindo seus sábios, bons, perfeitos e amáveis propósitos soberanos.
Em vista disso, torna-se ridículo pensar que um Deus que possui o mundo inteiro, o universo inteiro, reinos e impérios em suas mãos, governando e movendo, e tenha movido uma mulher de Nazaré para Belém (a fim de cumprir uma profecia) não possa ter providenciado um quarto de hóspedes disponível e digno de um rei. Planejar um quarto e uma cama para seu Filho era mais fácil do que planejar um censo global. Mas Deus não quis assim. Jesus estava exatamente no lugar que Deus planejou: uma manjedoura.
Como é bom saber que mesmo quando tudo parece não fazer sentido, parece injusto, infelez, errado ou trágico, Deus tem seus meios soberanos e recursos planejados para fazer cumprir sua sábia, boa perfeita e agradável vontade soberana.
4 O reconhecimento que Deus usou
O anjo do Senhor disse algo aos pastores quase bom demais para ser verdade (Lc 2.11): “Hoje em Belém, a cidade de Davi, nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor!” O anjo, então, deu a dica (Lc 2.12): “Vocês o reconhecerão por este sinal: encontrarão o bebê enrolado em faixas de pano, deitado numa manjedoura.”
Faixas de pano? Todo bebê em Belém usava faixas de pano. Esse, portanto, não era o sinal. O sinal era a manjedoura. De fato, isso deve ter soado tão escandaloso que os pastores provavelmente não pensaram que ouviram o anjo corretamente.
Salvador. Cristo. Senhor. Foi quem o anjo disse que nasceu. Salvador: o libertador de todos os nossos inimigos! Inda mais, Cristo: o Messias, o cumpridor de todas as promessas de Deus. Senhor: como dito em Lucas 2.9: “um anjo do Senhor apareceu entre eles, e o brilho da glória do Senhor os cercou. Ficaram aterrorizados.” Pois bem, esse Salvador, Cristo e Senhor está deitado no quê, mesmo? “Numa manjedoura”!
Este é o sinal: uma manjedoura. Nenhum outro rei em qualquer lugar do mundo jamais foi deitado nalgum cocho ou manjedoura. Encontre-o e você encontrará o Rei dos reis, o Senhor dos senhores, o Salvador do mundo, Cristo o Senhor.
Mal as palavras saíram da boca do anjo — “Vocês o reconhecerão por este sinal: encontrarão o bebê enrolado em faixas de pano, deitado numa manjedoura.” — os céus explodiram em louvor (Lc 2.12-13):
13De repente, juntou-se ao anjo uma grande multidão do exército celestial, louvando a Deus e dizendo: 14“Glória a Deus nos mais altos céus, […]”.
Glória a Deus! O Salvador está numa manjedoura! Glória a Deus! O Cristo está numa manjedoura! Glória a Deus! O Senhor está numa vala! “Glória a Deus nos mais altos céus!” Do mais alto ao mais baixo! Que Deus! Que Salvador!
Por quê Deus faz assim? Por que a manjedoura como sinal? Por que esse recurso divino para a identificação do Salvador, Cristo e Senhor? Paulo responde (1Co 1.26-29):
26Lembrem-se, irmãos, de que poucos de vocês eram sábios aos olhos do mundo ou poderosos ou ricos quando foram chamados. 27Pelo contrário, Deus escolheu as coisas que o mundo considera loucura para envergonhar os sábios, assim como escolheu as coisas fracas para envergonhar os poderosos. 28Deus escolheu coisas desprezadas pelo mundo, tidas como insignificantes, e as usou para reduzir a nada aquilo que o mundo considera importante. 29Portanto, ninguém jamais se orgulhe na presença de Deus.
Portanto: Não despreze a insignificância da manjedoura, nem a fraqueza da encarnação, muito menos a loucura da cruz e da ressurreição de Cristo. Receba esse Cristo e regozije-se nele, esse é o único meio de você ser salvo e se voltar para Deus.
5 A revelação dos discípulos
A manjedoura anuncia o rico que se fez pobre, o Rei que se humilhou e demonstra o recurso e o reconhecimento que Deus usou para trazer e guiar as pessoas até Jesus Cristo. Mas tem mais uma coisa. A manjedoura revela quem são os discípulos.
O anjo do Senhor foi a pastores, não a fariseus. Lucas 2.14:
“Glória a Deus nos mais altos céus, e paz na terra àqueles de que Deus se agrada!”.
De quem o Senhor se agrada? Essa palavra “agrada” (eudokia no grego) ocorre em outro lugar em Lucas (10.21):
Naquele momento, Jesus foi tomado da alegria do Espírito Santo e disse: “Pai, Senhor dos céus e da terra, eu te agradeço porque escondeste estas coisas dos que se consideram sábios e inteligentes e as revelaste aos que são como crianças. Sim, Pai, foi do teu agrado [eudokia] fazê-lo assim.
Não é o sábio. Não é o inteligente. Mas as crianças. Aqueles que não se ofenderiam com um bebê na manjedoura. Aqueles que não esperariam uma cama melhor do que a de seu Salvador. Lucas 9.57-58:
57Quando andavam pelo caminho, alguém disse a Jesus: “Eu o seguirei aonde quer que vá”. 58Jesus respondeu: “As raposas têm tocas onde morar e as aves têm ninhos, mas o Filho do Homem não tem sequer um lugar para recostar a cabeça”.
Jesus “não tem sequer um lugar para recostar a cabeça”, exceto uma manjedoura. A manjedoura revela quem são os discípulos: aqueles que enxergam glória na vida e na obra de Cristo e o seguem com arrependimento e fé, com regozijo no coração.
A manjedoura anuncia que o Rico se fez pobre para nos enriquecer nele em glória. A manjedoura anuncia que o Rei se humilhou para nele nos exaltar nas regiões celestiais. A manjedoura demonstra o recurso e o reconhecimento que Deus usou e usa para trazer e guiar as pessoas até Jesus Cristo: soberana providiência, submissão, fé e regozijo nos meios e caminhos de Deus. A manjedoura revela quem são os discípulos.
S.D.G. L.B.Peixoto
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