14.08.2022
[Gênesis 1.1] No princípio, Deus criou os céus e a terra.
O conhecimento de algo é fruto do conjunto de categorias ou conceitos fundamentais do que se tem em questão. Deixe-me exemplificar. Digamos que você está diante de uma criança pequena. Ela está descobrindo o mundo, dando seus primeiros passos pela casa, correndo de um lado para o outro; e então ela avista uma tomada na parede e indica que irá naquela direção. Nessa hora, você vira para essa criança e diz: “Não coloque o dedo na tomada senão levará um choque; poderá até morrer com a descarga elétrica!” — PERGUNTA: será que a criança entendeu? Entendeu nada! Quais são as chances de ela te obedecer com base apenas na sua informação? Zero! Se a criança parar e te obedecer será, certamente, pelo seu tom de voz, não pelo conteúdo de sua fala. POR QUÊ? A criança pequena ainda não tem categorias para compreender essa informação. No mínimo, ela não associou o termo “tomada” ao troço na parede; ela não sabe o que é choque elétrico nem das suas consequências; ela não compreende o que é morrer.
Conceitos fundamentais ou categorias são essenciais para a formação do conhecimento e, consequentemente, tomadas de posição, posturas ou práticas de vida. Isso se aplica a todas as áreas da vida, do processo de formação da linguagem aos postulados filosóficos mais complexos; aplica-se a tudo, inclusive ao conhecimento de Deus.
Quer ver uma coisa?
Quase 30 anos atrás, em 1996, D. A. Carson escreveu um livro – um clássico – que no Brasil está publicado pela editora Shedd Publicações, sob o título: O Deus amordaçado: o cristianismo confronta o pluralismo (608 páginas). Recomendadíssimo! O brilhante especialista em Novo Testamento fez uma análise magistral do mundo atual (que, diga-se de passagem, só piorou de 30 anos para cá!) e explorou como os cristãos podem ou devem falar da graça de Deus em Cristo para uma geração que rejeitou não apenas a verdade, mas as próprias categorias com as quais comunicamos a nossa mensagem. A prova de que nossos contemporâneos não têm lugar para as afirmações da verdade da Bíblia – a prova de que eles não têm categorias bíblicas – é que se lhes dissermos, por exemplo, que Deus os ama e tem um plano maravilhoso para a vida deles, eles responderão: “Bem, por que não?!”
O que eles estão pensando?
Ora, eles creem que – em si mesmos– valem muito a pena; de fato, eles assumem que têm direito a esse amor, e que o negócio de Deus é mesmo amar e abençoar (e ponto!). Inclusive, eles também têm alguns planos maravilhosos para a própria vida, os quais Deus faria sim muito bem em abençoar. — Gente, não é assim mesmo esta geração? Não é assim que se pensa hoje em dia? Não são estas as categorias? Deus é bom, e é amor, e eu sou essencialmente bom e merecedor; portanto, que Deus me abençoe e abençoe os meu planos. É assim mesmo! — E no que diz respeito a Jesus ser o Salvador, tudo bem também, contanto que não neguemos que existam outros salvadores igualmente válidos e não sustentemos que Jesus, o Jesus do Novo Testamento, tenha quaisquer reivindicações significativas ou exclusivistas sobre a nossa vida.
O que Carson argumenta no seu livro é que, para sermos testemunhas eficazes de Cristo em nossa época – ou se você deseja compreender adequadamente a mensagem do evangelho – , teremos que voltar à Bíblia e aprender a apresentar nosso caso pelo evangelho de Cristo do modo como a própria Bíblia o faz. PRECISAREMOS [1.] começar com Deus, o Criador, explicando quem ele é e o que ele fez; [2.] apresentar as implicações de que os seres humanos foram criados à imagem de Deus e que, portanto, são responsáveis pelo que fazem perante Deus; [3.] contar como nós caímos desse elevadíssimo patamar e abandonamos esse chamado; e [4.] anunciar o quanto agora nós precisamos de alguém para nos resgatar da ruína daquilo que a própria Bíblia chama de pecado. NESSE PROCESSO, faz-se necessário traçar a linha narrativa da Bíblia, começando com a Criação, a queda e, passando por Adão, Noé, Abraão, Moisés, Davi e as outras figuras do Antigo Testamento, chegar até o clímax da encarnação e obra de Jesus Cristo.
TROCANDO EM MIÚDOS: para que o evangelho de Jesus Cristo seja compreendido e crido, temos de assumir que nosso mundo é tão espiritualmente ignorante e pagão quanto o mundo no qual viveram os personagens bíblicos e no qual floresceu o evangelho da graça de Deus na Igreja Primitiva; isto é, nosso mundo é tão verde em verdades bíblicas quanto o foi o mundo antigo na época da revelação bíblica, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento.
Nós, os crentes, costumamos pensar em termos de mundo como se vivêssemos na atmosfera do século XVI, durante a época da Reforma Protestante. Nosso mundo, porém, mais se assemelha (em termos de categorias bíblicas) ao período pagão e pré-cristão da história do que com o mundo da cristandade da Idade Média (quando todos eram de algum modo “alfabetizadas” com a ideia de Deus e de Cristo e da igreja etc.) É verdade que boa parte da igreja contemporânea (dita evangélica) se assemelha bastante ao catolicismo romano medieval (com o sacerdotalismo do clero, as superstições religiosas praticadas e as indulgências cobradas), mas a tudo isso se sobressai muito mais o paganismo instaurado na sociedade pós-cristã do Ocidente, o qual afeta todas as coisas, inclusive, as igrejas. DAÍ A NOSSA QUESTÃO: Como pregar a mensagem do evangelho para um mundo que não conhece (e até descarta) a Bíblia?
Uma coisa era pregar o evangelho no mundo Medieval, como o fizeram os reformadores na época da Reforma. Havia ainda alguma categoria bíblica entre os povos europeus; o mundo estava ainda cristianizado, de algum modo. E hoje? Nosso mundo não tem mais as categorias bíblicas de outrora, salvo alguns poucos. Nossa é uma época pós-cristã, absolutamente pagã. Se você tem alguma dúvida, ouça a opinião popular; veja como se fazem “ciência” (especialmente as ciências humanas e sociais) nas universidades (inclusive naquelas universidades que nasceram do cristianismo; por exemplo, Cambridge, Oxford, Harvard, Princeton, etc.). Dê uma checada nos trabalhos acadêmicos. Talvez você fique horrorizado ao descobrir que não apenas as “seculares”, mas também as universidades ou faculdades “teológicas” assumem pressuposições absolutamente secularizadas, naturalistas, progressistas etc. MAIS UMA VEZ A NOSSA QUESTÃO: Como pregar num mundo assim, pós-cristão, pagão que, se achando intelectualizado, não conhece (e até descarta) a Bíblia?
Temos, no Novo Testamento, um excelente exemplo de como proceder. Observe a maneira como o apóstolo Paulo apresentou o caso do cristianismo diante dos filósofos pagãos em Atenas (Atos 17.16-31): ele começou com o Deus Criador e desembocou na ressurreição de Cristo; ele começou em Gênesis, antes de chegar ao ápice da mensagem dos Evangelhos; preste atenção:
Atos 17.24-31 24“Ele [este Deus que vocês adoram sem conhecer] é o Deus que fez o mundo e tudo que nele há. Uma vez que é Senhor dos céus e da terra, não habita em templos feitos por homens 25e não é servido por mãos humanas, pois não necessita de coisa alguma. Ele mesmo dá vida e fôlego a tudo, e supre cada necessidade. 26De um só homem ele criou todas as nações da terra, tendo decidido de antemão onde se estabeleceriam e por quanto tempo. 27“Seu propósito era que as nações buscassem a Deus e, tateando, talvez viessem a encontrá-lo, embora ele não esteja longe de nenhum de nós. 28Pois nele vivemos, nos movemos e existimos. Como disseram alguns de seus próprios poetas: ‘Somos descendência dele’. 29E, por ser isso verdade, não devemos imaginar Deus como um ídolo de ouro, prata ou pedra, projetado por artesãos. 30“No passado, Deus não levou em conta a ignorância das pessoas acerca dessas coisas, mas agora ele ordena que todos, em todo lugar, se arrependam. 31Pois ele estabeleceu um dia para julgar o mundo com justiça, por meio do homem que ele designou, e mostrou a todos quem é esse homem ao ressuscitá-lo dos mortos”.
Pregando a intelectuais, místicos e pagãos – os quais ainda não possuíam categorias bíblicas ou conceitos fundamentais para compreender o evangelho de Cristo – , Paulo começou onde?, o apóstolo começou com Gênesis 1–11. Nós também temos de começar por Gênesis – se quisermos argumentar pelo evangelho de Cristo a este mundo pós-cristão, pagão e sem categorias bíblicas como é o nosso.
Não há época melhor ou mais necessária para alguém estudar o livro de Gênesis do que o presente. Explico. Quando se abre o primeiro livro da Bíblia e se propõe a estudá-lo, fica-se admirado e até intimidado, sobretudo quando se abre também para as baterias de opiniões dos cientistas, sejam cristãos ou não-cristãos. Gente!, são tantas as teorias concorrentes a respeito da Criação, existência de Adão, antiguidade do Universo e do homem e da extensão do dilúvio, por exemplo, que o leitor da Bíblia fica com vontade de pular direto para o capítulo 12 de Gênesis, o chamado de Abraão. Só que mesmo nesse ponto, saiba você!, o que há de teorias conflitantes em relação a existência ou não-existência dos Patriarcas, é também de tirar o fôlego, senão de desencorajar a leitura.
Vamos ser honestos?
À luz de tanta coisa tida como ciência, tantas teorias, avanços científicos, questionamentos acadêmicos e tudo o mais, será que você nunca foi tentado a não ler Gênesis por julgar se tratar de um livro obsoleto, desatualizado? Criação! Como assim? E a teoria da evolução, tão fartamente “comprovada”? Que relevância há em Gênesis, meu Deus?!
Nada disso, porém, deverá te intimidar. Precisamos encarar este livro. Se não pela simples busca da verdade, no que tange à origem do Universo e do ser humano, então para se conhecer o grande Deus da Bíblia Sagrada. Como nós precisamos dessa visão de Deus, o grande Deus, o Criador do Universo – aquele em quem “vivemos, nos movemos e existimos… [e de quem] somos descendência” (At 17.28)! Precisamos pensar corretamente sobre Deus, uma realidade que está ausente com muita frequência até mesmo nas igrejas evangélicas, e precisamos saber também sobre nós mesmos como seres caídos no pecado, mas agraciados com a possibilidade de sermos redimidos. Carecemos, portanto, de estudar séria e profundamente o livro de Gênesis. É o quer faremos, à partir de hoje, Deus permitindo, todos os domingos, às 19:00.
Quanto tempo vai durar o nosso estudo? Não sei. O que sei é que partiremos do ponto de partida de tudo, das origens: Gênesis 1.1 — “No princípio, Deus criou os céus e a terra.” Minha oração é que esta jornada através d’O LIVRO DAS ORIGENS proporcione que a sua compreensão da fé cristã seja maravilhosa e profundamente enriquecida, e que seja também aprimorada a sua capacidade de falar sobre Cristo a esta geração que adora a tantos deuses, inclusive ao “Deus Desconhecido” (At 17.23)… que seja aprimorada sua capacidade de falar do evangelho a esta geração tão sem categorias bíblicas, inclusive entre cristãos evangélicos.
Próxima mensagem: Antes da origem, Deus. [O vazio da revolução científica e o valor da doutrina de Deus].
Matthew Henry (1662–1714), em seu comentário bíblico orientado para as necessidades da piedade prática, concluiu deste modo a introdução ao livro de Gênesis:
Gênesis é um nome emprestado do grego. Significa origem, ou geração: apropriadamente este livro é assim chamado, pois é uma história das origens – a criação do mundo, a entrada nele do pecado e da morte, a invenção das artes, o surgimento das nações, e especialmente a plantação da igreja e o estado dela em seus dias primitivos. É também uma história de gerações – as gerações de Adão, Noé, Abraão, etc., genealogias não infinitas, mas úteis. O início do Novo Testamento também é chamado de Gênesis (Mt 1.1), Βίβλος γενέσεως, o livro da gênesis [origem], ou geração, de Jesus Cristo. Bendito seja Deus por aquele Livro que nos mostra nosso remédio, e por este que abre a nossa ferida. Senhor, abre nossos olhos, para que possamos ver as maravilhas da tua lei e do evangelho!
S.D.G. L.B.Peixoto
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