20.10.2019
GRAÇA E FORÇA PARA CUMPRIR O PACTO
Efésios 3.16-17
16Peço que, da riqueza de sua glória, ele os fortaleça com poder interior por meio de seu Espírito. 17Então Cristo habitará em seu coração à medida que vocês confiarem nele. Suas raízes se aprofundarão em amor e os manterão fortes.
O QUE É SER CRISTÃO?
Muitos cristãos (inclusive alguns batistas, infelizmente) tendem hoje a ver seu cristianismo como um relacionamento pessoal com Deus (fundamentado apenas na “sinceridade” do coração) e nada mais. Sim, eles até compreendem que esse relacionamento pessoal com Deus tem implicações na maneira como devem viver. Mas eles acreditam que não precisam de mais ninguém, não precisam de ou da igreja! São crentes, mas desigrejados.
Para se ter uma ideia, um levantamento da revista IstoÉ, de agosto de 2017, a partir de dados da POF — Pesquisa de Orçamento Familiar, realizada pelo IBGE — Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, estimou que o número de desigrejados no Brasil, atualmente, supere a faixa dos 4 milhões de pessoas. Número maior, por exemplo, que o de batistas, que no Censo de 2010 eram 3.723.853. Não pode ser assim! Por quê?
Esse relacionamento primordial, pessoal com o Senhor Deus necessita sim de inúmeros relacionamentos pessoais secundários, isto é, os relacionamentos que Cristo estabeleceu entre nós e seu corpo, a igreja. Trocando em miúdos: o plano de Deus para a nossa salvação e santificação na fé, no caminho para a glorificação no céu, desenvolve-se em um relacionamento com um corpo composto de pessoas de carne e osso que poderão, sim, pisar nos nossos calos, mas que contribuirão para a nossa perseverança para a salvação eterna. Afinal, a perseverança dos crentes é um projeto comunitário.
É bem verdade que o cristão é alguém que, levado pelo Espírito Santo, antes e acima de qualquer coisa, arrependeu-se, foi perdoado de seu pecado e reconciliou-se com Deus, o Pai, por meio da fé somente em Jesus Cristo — fé na vida perfeita e sem pecado, fé na morte substitutiva (i.e., no lugar do pecador) e fé na ressurreição vitoriosa de Jesus Cristo, o Filho eterno de Deus. Mas tem mais.
O cristão é alguém que, pela virtude de sua reconciliação com Deus em Cristo, foi reconciliado também com o povo de Deus, a igreja. Você se lembra da primeira história narrada na Bíblia depois da queda de Adão e Eva e sua expulsão do jardim? É a história do primeiro ser humano sendo assassinado por outro – Caim matando o próprio irmão Abel. Se o ato de tentar remover Deus do trono é, em si mesmo, uma tentativa de colocar-nos ali, então, certamente não deixaremos que outro ser humano ocupe esse lugar. Não lhe daremos nem uma chance. A atitude de Adão, ao quebrar a comunhão com Deus, resultou no rompimento imediato da comunhão entre os seres humanos. O ser humano, então, passou a viver para si mesmo (e a salvação nos liberta de nós mesmos: 2Coríntios 5.15).
Não deve nos surpreender a afirmação de Jesus que disse que de dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas: amar o Senhor, nosso Deus, de todo o nosso coração, de toda a nossa alma e de todo o nosso entendimento e amar também o nosso próximo como a nós mesmo (Mateus 22.34-40). Os dois mandamentos andam juntos. O primeiro produz o segundo e o segundo comprova o primeiro.
Ser reconciliado com Deus por meio de Cristo, portanto, significa ser reconciliado com todos aqueles que estão reconciliados com Deus. É claro que esta reconciliação precisa afetar de alguma forma todos os nossos relacionamentos, inclusive com os não-cristãos, mas somente no ambiente do corpo de Cristo ela se torna plena e verdadeira, pois consiste na relação entre duas ou mais pessoas que são feitas família pela ação sobrenatural do Espírito por meio da fé em Jesus Cristo, o Filho eterno de Deus.
Após descrever, na primeira metade de Efésios, a grande salvação que Deus nos deu em Cristo Jesus (caps. 1 a 3), Paulo passou a descrever, na segunda metade da carta, o que essa grande salvação significa nos relacionamentos entre judeus e gentios e, por extensão, entre todos os que estão em Cristo (caps. 4 a 6). Ouçam o que está em Efésios 2.14-16:
14Porque Cristo é nossa paz. Ele uniu judeus e gentios em um só povo ao derrubar o muro de inimizade que nos separava. 15Ele acabou com o sistema da lei, com seus mandamentos e ordenanças, promovendo a paz ao criar para si, desses dois grupos, uma nova humanidade. 16Assim, ele os reconciliou com Deus em um só corpo por meio de sua morte na cruz, eliminando a inimizade que havia entre eles. [Somos chamados para a paz, Cl 3.15-16]
O apóstolo está ensinando que todos os que pertencem a Deus são “concidadãos” e membros da “família de Deus” (Ef 2.19) e estão unidos com Cristo no “santuário [ou templo] dedicado ao Senhor” (Ef 2.21). Essas, porém, são apenas algumas das analogias, dentre as que podemos escolher, que revelam que a salvação nos torna um corpo de irmãos, membros do corpo de Cristo.
De fato, o nome de um filho de Deus não é o sobrenome dele, e sim, Cristão — isto é, designação proveniente do nome daquele por meio de quem a pessoa foi adotada: Cristo (Ef 1.5). Agora, portanto, o cristão faz parte de toda a família de Deus (Hb 2.11) e esta não é uma família disfuncional, cujos membros não conhecem uns aos outros ou rejeitam uns aos outros. É uma comunhão. Quando Deus nos “convidou a ter comunhão com seu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor” (1Co 1.9), ele também nos chamou à “comunhão” com toda a família de Deus (1Co 5.2).
Somos um corpo que se mantém unido com base em nossa decisão individual, mas também em algo que está além da decisão humana: a obra e a pessoa de Cristo. Se você dissesse: “Não faço parte da família da fé ou da igreja”, isto seria tão insensato como se arrancasse a sua própria mão ou o nariz. Conforme Paulo disse aos cristãos de Corinto: “O olho não pode dizer à mão: Não preciso de você. E a cabeça não pode dizer aos pés: Não preciso de vocês” (1Co 12.21).
Em resumo, é impossível respondermos à pergunta “O que é um cristão?” sem entrarmos numa conversa sobre a igreja. É impossível, pelo menos de acordo com a Bíblia. E não somente isso, se não falarmos sobre a igreja, é difícil nos mantermos fiéis a qualquer das metáforas referentes a ela, já que o Novo Testamento usa tantas: família, comunhão, corpo, noiva, povo, templo, uma senhora e seus filhos, etc. E o Novo Testamento nunca retrata o cristão como alguém que existe fora da comunhão da igreja. A igreja não é realmente um lugar, é um povo: o povo de Deus em Cristo, o corpo de Cristo.
Então, quando alguém se torna um cristão, ele não se une a uma igreja local porque seja um hábito convencionado pelos homens, pois contribui para a maturidade espiritual. Com efeito, ele se une a uma igreja local porque esse ato de unir-se à igreja local é a expressão visível daquilo em que Cristo o tornou: um membro de seu corpo.
O PACTO DE COMPROMISSO DA IGREJA
Estar unido a Cristo implica estar unido a todos os cristãos. Contudo, essa união universal precisa ter uma existência viva e atuante em uma igreja local. Agora, o nosso entendimento, à luz das Escrituras e da tradição protestante-batista-reformada (conforme já argumentamos ao longo desta série sobre O Pacto), é que a igreja local é composta por membros pactuados, aliançados — pactuados ou aliançados com Deus e uns com os outros. Daí o que se lê no primeiro parágrafo do nosso Pacto:
Tendo sido levados pelo Espírito Santo a aceitar a Jesus Cristo como único e suficiente Salvador, e batizados, sob profissão de fé, em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, decidimo-nos, unânimes, como um corpo em Cristo, firmar, solene e alegremente, na presença de Deus e desta congregação, o seguinte Pacto:
Esse é o cristão: alguém que, em Cristo, reconciliou-se com Deus e com os irmãos, e que agora vive em aliança, em aliança com Deus e com os irmãos na comunhão da igreja local. Daí que a conclusão do nosso Pacto lê o que segue:
Finalmente, nos comprometemos a, quando sairmos desta localidade para outra, nos unirmos a uma outra igreja da mesma fé e ordem, em que possamos observar os princípios da Palavra de Deus e o espírito deste Pacto.
O cristão, em especial o cristão batista, os membros da Segunda Igreja Batista em Goiânia, é alguém que, tendo sido reconciliado com Deus e com os irmãos, estando na comunhão de uma igreja local, vive agora para “observar os princípios da Palavra de Deus e o espírito deste Pacto”.
Em resumo, “os princípios da Palavra de Deus e o espírito deste Pacto” dizem respeito a [1.] minha vida em comunhão na igreja local; [2.] minha vida em devoção particular; e [3.] minha vida em dedicação ao próximo. Veja a seguir:
[1.] Minha vida em comunhão na igreja local (parágrafo 2 do Pacto):
Comprometemo-nos a, auxiliados pelo Espírito Santo, andar sempre unidos no amor cristão; trabalhar para que esta igreja cresça no conhecimento da Palavra, na santidade, no conforto mútuo e na espiritualidade; manter os seus cultos, suas doutrinas, suas ordenanças e sua disciplina; contribuir liberalmente para o sustento do ministério, para as despesas da igreja, para o auxílio dos pobres e para a propaganda do evangelho em todas as nações.
[2.] Minha vida em devoção particular (parágrafo 3 do Pacto):
Comprometemo-nos, também, a manter uma devoção particular; a evitar e condenar todos os vícios; a educar religiosamente nossos filhos; a procurar a salvação de todo o mundo, a começar dos nossos parentes, amigos e conhecidos; a ser corretos em nossas transações, fiéis em nossos compromissos, exemplares em nossa conduta e ser diligentes nos trabalhos seculares; evitar a detração, a difamação e a ira, sempre e em tudo visando à expansão do reino do nosso Salvador.
[3.] Minha vida em dedicação ao próximo (parágrafo 4 do Pacto):
Além disso, comprometemo-nos a ter cuidado uns dos outros; a lembrarmo-nos uns dos outros nas orações; ajudar mutuamente nas enfermidades e necessidades; cultivar relações francas e a delicadeza no trato; estar prontos a perdoar as ofensas, buscando, quando possível, a paz com todos os homens.
Viver essa vida pactuada, em comunhão com Deus Pai, Filho e Espírito Santo, em comunhão com os filhos de Deus, no corpo de Cristo, na comunhão da igreja local é um privilégio que, infelizmente, muitos tomam como algo de pouca importância. Porém, desprezar ou deixar de viver a vida conforme “os princípios da Palavra de Deus e o espírito deste Pacto”, é sinal de ingratidão e incredulidade. Afinal, nós que temos o privilégio de viver em um país no qual podemos unir-nos livremente a uma igreja local devemos reter no coração a admoestação atemporal de Dietrich Bonhoeffer em Vida em Comunhão:
É pela graça de Deus que uma congregação tem permissão de reunir-se visivelmente neste mundo, a fim de compartilhar a Palavra de Deus e as Ordenanças. Nem todos os cristãos desfrutam dessa bênção. Os aprisionados, os enfermos, os dispersos e refugiados, os proclamadores do evangelho em terras pagãs permanecem sozinhos. Eles sabem que a comunhão visível é uma benção. Recordam, à semelhança do salmista, como iam “com a multidão… à Casa de Deus, entre gritos de alegria e louvor, multidão em festa” (Sl 42.4)… Portanto, aquele que tem o privilégio de viver a vida cristã em comunhão com outros, louve a graça de Deus, do profundo de seu coração. De joelhos, agradeça a Deus e confesse: “É por graça, nada mais do que por graça, que temos permissão de viver em comunidade com outros irmãos em Cristo”.
Mas, já que é difícil, como será possível viver essa vida em comunhão?
GRAÇA E FORÇA PARA CUMPRIR O PACTO
A vida pactuada na comunhão da igreja local é tanto o fruto da graça como também é sustentada apenas pela graça. A graça é o fruto e a seiva da vida cristã! Com efeito, viver a vida cristã, viver a vida cristã na comunhão da igreja local requererá graça sobre graça — graça para começar, graça para prosseguir e se manter, e graça para frutificar. Nossos pais fundadores tanto reconheciam isto que deixaram, na forma de uma súplica final em nosso Pacto, a seguinte frase:
O Senhor nos abençoe e nos proteja para que sejamos fiéis e sinceros até a morte.
Em outras palavradas:
O Senhor nos dê graça e força para cumprirmos com fé e verdade, até o último fôlego de vida, os princípios da Palavra de Deus e o espírito deste Pacto.
Era sabido pelos nossos pais, por conhecimento bíblico e experiência própria, que sem graça e força de Deus nenhum de nós conseguirá na própria força ser, viver e cumprir o que se requer de um cristão. Paulo, com certeza, serviu de alicerce para a súplica final do Pacto da nossa igreja, quando ele rogou ao Pai pelos efésios (3.16-17):
16Peço que, da riqueza de sua glória, ele [Deus Pai] os fortaleça com poder interior por meio de seu Espírito. 17Então Cristo habitará em seu coração à medida que vocês confiarem nele. Suas raízes se aprofundarão em amor e os manterão fortes.
A pergunta, portanto, face a esses versículos, é: De que forma o Senhor nos abençoa e proteje, ou, de que maneira o Senhor nos dá graça e força “para que, observando os princípios da Palavra de Deus e o espírito deste Pacto, sejamos fieis e sinceros até a morte”?
Observe o nosso texto. Veja o que Paulo escreveu.
O apóstolo anotou que (v. 16) a força para o nosso homem interior, para o nosso coração será extraída da riqueza da glória de Deus e fluirá pelo Espírito Santo a nós. Assim, (v. 17b), nutridos dessa glória, encantados e saciados por ela, nossas raízes se aprofundarão em amor e nos manterão firmes — i.e., permaneceremos inabaláveis em nossa prática de amor e de boas obras. Mas, como isto se dá?
Versículo 17a: Cristo habitando em nosso coração, em nós pelo Espírito (2Co 3.17) vai nos fortalecendo à medida que confiamos nas promessas dele reveladas na Palavra.
Graça e força de que precisamos — benção e proteção para que sejamos fiéis e sinceros até a morte, enquanto vivemos a vida cristã segundo os princípios da Palavra de Deus e o espírito deste Pacto — virão ao nosso coração pelo Espírito Santo que extrai glória, glória de Deus em Cristo da palavra de Deus e aplica-a a nós. A Palavra é o meio e a fonte de toda graça e força para perseverarmos e frutificarmos para a glória de Deus.
Paulo, orando e se despedindo dos presbíteros de Éfeso, disse assim (At 20.32):
E, agora, eu os entrego a Deus e à mensagem [palavra] de sua graça que pode edificá-los e dar-lhes uma herança junto com todos que ele separou para si.
A graça e a força vêm a nós de Deus o Pai e do Senhor Jesus Cristo pelo Espírito Santo; ela, a graça que nos fortalece para perseverar e frutificar em amor e boas obras, está disponível para fluir a nós toda vez que pegamos a Bíblia para a leitura, toda vez que lemos ou ouvimos e recebemos com fé a palavra de Deus.
Nós nos fortificamos na graça quando nos alimentamos da palavra de Deus com fé (Hb 13.9; 2Tm 2.1-3). Com efeito, a graça diária é para a alma o que o pão diário é para o corpo. Sustenta. Alimenta. Satisfaz. Sem ela, não podemos viver e não podemos cumprir os princípios da palavra de Deus e o espírito de nosso Pacto.
Alimente-se, pois, diariamente da palavra de Deus, alimente-se de graça e glória, fortifique-se na graça e viva para a glória de Deus, viva para cumprir os princípios da Palavra de Deus e o espírito de nosso Pacto. Sem graça e força extraídas da Palavra, e que vêm a nós pelo Espírito, esse Pacto não passará de regras impossíveis de serem cumpridas. Mas com graça e poder, pelo Espírito, faremos isto com alegria e amor.
Afinal, o sangue de Cristo, o sangue que comprou a nova aliança (1Co 11.25), o sangue do novo pacto, comprou para nós perdão dos pecados e poder para cumprir a vontade de Deus (Jr 31.33-34; Ex 36.26-27). Isto é o que passaremos a celebrar na ceia do Senhor, orando para que se cumpra em nós o que Paulo orou pelos efésios (3.16-17):
16Peço que, da riqueza de sua glória, ele os fortaleça com poder interior por meio de seu Espírito. 17Então Cristo habitará em seu coração à medida que vocês confiarem nele. Suas raízes se aprofundarão em amor e os manterão fortes [unidos pelo Pacto, observando os princípios da palavra de Deus e o espírito do nosso Pacto].
S.D.G. L.B.Peixoto
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