10.04.2020
A sexta-feira foi o dia mais doloroso de Jesus, em todos os sentidos: fisicamente, emocionalmente, mas especialmente por ter provado o abandono do Pai lá na cruz. Começou assim: Depois do anoitecer, ainda no Getsêmani, Cristo foi traído com um beijo de Judas, preso pelos soldados e depois submetido a julgamentos perante as autoridades judaica e romana. Pressionado pelos líderes judeus, Pôncio Pilatos, o governador romano da Judeia, pronunciou o veredito: “Culpado!”, e em seguida, soltou o criminoso Barrabás no lugar de Jesus. Pior: Pilatos sabia, lá no fundo, que Jesus era inocente! – Enquanto isso, Pedro negava Jesus diante dos homens. – Pela Via Dolorosa, que foi seu peregrinar pelas ruas de Jerusalém até o Gólgota, local da crucificação, que ficava localizado fora dos portões da cidade, e ao chegar para a crucificação, Jesus sofreu terrível e covardemente nas mãos de homens perversos – verdadeiros animais, sem mencionar as palavras de zombaria e escárnio de partirem o coração. Finalmente, foi crucificado. Morreu. Foi sepultado. – Que dia! O dia mais terrível da história! Nunca houve e jamais haverá algo ao menos parecido em algum dia da existência humana.
Voltemos ao início da sexta-feira, vamos tentar montar e visualizar o passo a passo daquele dia excruciante da vida de Jesus. A cena começa no jardim do Getsêmani – local que Judas conhecia muito bem porque Jesus frequentemente se dirigia para lá com seus discípulos para orar. Deveria ser depois da meia-noite, madrugada de sexta-feira. A súbita presença de Judas sinalizava, tenebrosamente, a morte de Jesus batendo à sua porta. Todos – Mateus, Marcos e Lucas – chamam a atenção para o fato de que Judas era “um dos Doze”. Quase se pode discernir uma mistura de nojo e falta de credulidade no relato dos evangelistas: um dos Doze, do círculo íntimo de Jesus, traiçoeiramente se voltou contra ele e traiu seu Mestre.
Judas estava liderando uma multidão – Mateus até fala de uma grande multidão (26.47) – com espadas e paus, que havia sido enviada pelos principais sacerdotes, escribas e anciãos (isto é, o conselho do governo judaico, o Sinédrio). Judas estava também acompanhado por um bando de soldados (guardas romanos), além de alguns oficiais dos principais sacerdotes e fariseus (mencionados apenas por João – João 18.3), que chegaram munidos com tochas, lanternas e armas. – Não se pode deixar de ficar impressionado com o exagero quase cômico daquela cena: Seria mesmo necessária uma “grande multidão” de pessoas armadas com espadas, porretes e outras armas para se prender Jesus? Aquilo contrastava fortemente com a conduta inofensiva, pacífica e não agressiva de Jesus relatada em todos os Evangelhos durante seus três anos de ministério na terra. Só se pode concluir que, lá no fundo, aquelas autoridades temiam o poder de alguma forma divino de Jesus, mas que publicamente negavam e faziam de conta que não existia. Freud, talvez, explique!
Na cena seguinte, vemos que Judas havia combinado com os bandos que estavam com ele que Jesus – aquele a ser preso – seria identificado com um beijo, o famoso “beijo de Judas”. Mais uma vez, a ironia era palpável. Embora normalmente um beijo signifique profundo amor e carinho, naquele caso, denotava a traição de Judas a Jesus – traição máxima. Então, depois de cumprimentar Jesus com o título habitual de “Mestre”, Judas beijou “seu” Mestre, consumando a traição (Mateus 26.49). Conforme o registro de Lucas (22.48), Jesus ainda apelou para a consciência do traidor: “Judas, com um beijo você trai o Filho do Homem?”. Além de ter sido uma repreensão gentil, aquela indagação do Senhor revelava a tragédia, travestida de justiça – é claro, que estava prestes a se desenrolar.
Importante destacar que, lendo esses relatos nos Evangelhos, fica-se com a sensação de que Jesus não era uma vítima passiva, mas ativa e repetidamente tomava a iniciativa dos fatos que estavam se desenrolando. Segundo Mateus 26.50, Jesus disse a Judas: “Amigo, faça de uma vez o que veio fazer”. João 18.4-9, por sua vez, enfatiza que Jesus sabia de tudo que estava para acontecer com ele, e nos conta que Jesus deu um passo à frente e fez perguntas aos bandos que o procuravam. Ouça o relato do evangelista: “Jesus, sabendo tudo que ia lhe acontecer, foi ao encontro deles. ‘A quem vocês procuram?’, perguntou. ‘A Jesus, o nazareno’, responderam. ‘Sou eu’, disse ele.” – Essa expressão: “Sou eu” é uma referência direta a “EU SOU”, um dos nomes para Deus no Antigo Testamento (Êxodo 3.14). – Quando Jesus reiterou que ele era aquele que eles foram prender, os soldados recuaram e caíram no chão, semelhantemente à resposta habitual a uma teofania (uma manifestação da presença de Deus no Antigo Testamento; por exemplo, Êxodo 3.1-6; 19.16-24). Jesus, no entanto, prosseguiu: Disse aos soldados para seguirem em frente com o plano, prendendo-o, mas liberando os seus discípulos – não apenas um gesto extremamente nobre do “bom pastor”, protegendo suas “ovelhas”, mas também um ato que deliberadamente cumpria as Escrituras no que diz respeito a Jesus preservar todos aqueles que lhe foram entregues pelo Pai. Assim, veja bem, mesmo quando pecadores cercaram Jesus para prendê-lo, os Evangelhos deixam claro que, no final das contas, Jesus ainda estava absolutamente em comando. Ô, gloria! Como eu amo a soberania de Deus!
Àquela altura, um dos Doze – Pedro – tentou resistir à prisão, cortando a orelha direita do servo do sumo sacerdote (um homem chamado Malco), mas Jesus repreendeu Pedro com veemência, observando que aqueles quem tomam a espada perecem pela espada (João 18.10-11; Mateus 26.52). Por sua parte, Jesus reafirmou que estava determinado a beber o cálice que o Pai lhe deu. – NOTA: O cálice, frequentemente na Bíblia, serve como símbolo do juízo ou da ira divina. – Jesus também argumentou que poderia apelar ao Pai, que imediatamente o enviaria mais de doze legiões de anjos (ou seja: 12 x 6.000, mais de 72 mil anjos!). Então, ele tocou a orelha de Malco e milagrosamente o curou.
A seguir, Jesus chamou a atenção para a ironia de se ter uma grande multidão armada para prendê-lo: “Por acaso sou um revolucionário [ou bandido] perigoso para que venham me prender com espadas e pedaços de pau? Por que não me prenderam no templo? Ali estive todos os dias, ensinando.” Jesus estava dizendo que aquela cerimônia toda, munida de tanta força, era completamente desnecessária, pois ele estivera vários dias seguidos no meio deles, sem oferecer qualquer resistência. Ocorre que, a operação secreta dos soldados no início da madrugada, contra um homem tanto inocente como inofensivo, sinalizavam a verdade da afirmação de Jesus em Lucas 22.53: “Mas esta é a hora de vocês, o tempo em que reina o poder das trevas”. Satanás procurava destruir o Messias, o Filho de Deus com ataque frontal a quem tinha vinda para libertar o povo de Deus. Face a tudo aquilo, todos os discípulos deixaram Jesus e fugiram, incluindo um jovem que fugiu nu (ao que tudo indica, João Marcos), escapando-se dos soldados que tentaram prendê-lo (Marcos 14.51-52).
O que veio a seguir na sexta-feira de Jesus foi uma série de julgamentos, informais e formais, sobre os quais não dedicaremos aqui muito tempo, mas apenas fazer alguns destaques. Primeiro, Jesus teve uma AUDIÊNCIA INFORMAL COM ANÁS (ex-sumo-sacerdote e sogro de Caifás). Permita-me um pouco do contexto político-religioso:
Anás e Caifás mantinham uma estreita relação de poder e influência compartilhados. Lucas 3.2 anota que João batizou durante o período que “Anás e Caifás eram os sumos sacerdotes”, e João 18.19-24 descreve tanto Anás quanto Caifás como “sumo sacerdote”. Anás foi oficialmente sumo sacerdote entre 6 e 15 d.C., mas continuou a exercer considerável influência, já que cinco de seus filhos, além de seu genro Caifás, posteriormente serviram como sumo sacerdotes. Qualquer semelhança na política contemporânea não será mera coincidência! Pois bem:
Anás, aparentemente frustrado com a recusa de Jesus em responder suas perguntas, o enviou acorrentado ao genro, Caifás, o sumo sacerdote. Aquela primeira etapa do julgamento de Jesus funcionava como uma audiência informal, em preparação para uma audiência mais formal diante de um contingente mais completo do Sinédrio. Antes que as acusações pudessem ser apresentadas contra Jesus perante o governador romano, as acusações deveriam ser formalmente confirmadas por Caifás, que também acumulava a posição de supremo juiz do tribunal judeu. Jesus possivelmente poderia ter resolvido seus problemas naquela fase, caso ele se arrependesse de seus ensinamentos e se submetesse à autoridade religiosa de Anás e Caifás. Mas a oração de Jesus no Getsêmani já tinha selado sua determinação e estabelecido o curso de seus passos – não haveria como voltar atrás do destino traçado pelo Pai que estava à sua frente. Ele morreria, de acordo com a vontade de Deus, pelos pecados do povo de Deus. Os líderes judeus, por sua vez, não tinham nenhuma preocupação real com justiça ou legalidade – queriam Jesus morto e estavam dispostos a fazer o que fosse necessário para tirá-lo do caminho.
Segundo, Jesus teve uma AUDIÊNCIA FORMAL COM CAIFÁS (sumo-sacerdote e genro de Anás). Estava reunida naquela ocasião apenas parte do Sinédrio, com quórum suficiente para a seção (pelo menos 23 membros). Na pressa de prosseguirem com o julgamento, os membros do Conselho não foram particularmente cuidadosos na seleção de testemunhas e, portanto, só conseguiram apresentar relatos contraditórios na hora do julgamento. Nada que se sustentasse, pois, na lei dos judeus, nenhuma acusação poderia ser mantida à parte do acordo de pelo menos duas testemunhas, e claramente as testemunhas arrumadas pelos líderes judeus não estavam comprometidas com a verdade. Como se sabe? É que aquelas testemunhas não conseguiram sequer concordar com ao menos uma história coerente. Portanto, o testemunho delas não poderia ser usado como acusação formal (veja Deuteronômio 17.6). Eram, pois, todas elas, “falsas testemunhas”.
Jesus respondia àquelas alegações com absoluto silêncio, pois ele sabia que o resultado do processo contra ele já estava sentenciado, e não havia nada que ele dissesse que não seria posteriormente distorcido e usado contra ele mesmo. As cartas estavam marcadas. O tribunal já tinha feito a cabeça e estava simplesmente procurando alguns menores motivos que pudessem ser utilizados para a aplicação da sentença de morte. O silêncio de Jesus também cumpria a profecia feita a respeito do servo sofredor de Isaías (53.7): “Ele foi oprimido e humilhado, mas não disse uma só palavra. Foi levado como cordeiro para o matadouro; como ovelha muda diante dos tosquiadores, não abriu a boca.” O silêncio de Jesus colocava total responsabilidade sobre os ombros de seus acusadores pelo resultado injusto daquele julgamento.
O sumo sacerdote estava ficando impaciente com o progresso do julgamento e a recusa de Jesus em responder às várias testemunhas falsas. Então, ele perguntou diretamente a Jesus se ele era o Cristo, o Filho de Deus (Mateus 26.63). Uma resposta afirmativa daria a Caifás uma base legítima para solicitar a pena de morte a Pôncio Pilatos (governados da Judeia) – a acusação seria de insurreição e de traição. Essa era a única pergunta que realmente importava, e a resposta de Jesus não decepcionou: Jesus não apenas quebrou seu silêncio com uma resposta afirmativa, mas também passou a aplicar textos messiânicos do Antigo Testamento a si mesmo (Daniel 7.13-14 e o Salmo 110.1-2). Estava, pois, declarando abertamente ser o divino Filho do Homem, que se sentaria à direita de Yahweh e que virá nas nuvens para receber seu reino eterno universal e glorioso.
Aquela afirmação selava a morte de Jesus por motivos teológicos e políticos. Teologicamente, Jesus blasfemava ao afirmar ser o Filho de Deus – aquilo era completamente inaceitável para a liderança judaica. Politicamente, Jesus afirmava ser aquele que viria como agente de Deus para receber a realeza cósmica – aquilo era inaceitável para os romanos que reconheciam apenas um imperador de tudo e todas as coisas: César. O Sinédrio agora tinha o que queria. Jesus acabara de fazer uma declaração clara e auto incriminadora diante de muitas testemunhas: expressava seu relacionamento divino exclusivo com o SENHOR e declarava, pensavam eles, suas intenções de derrubar os romanos e todos os reinos terrestres e estabelecer o reino de Deus na terra. Ironicamente, era exatamente aquilo que muitos judeus do primeiro século esperavam e ansiavam, mas a liderança judaica reinante já havia decidido que Jesus não era o tal Messias. Afinal, como Jesus poderia ser o Messias de Deus quando ele não apoiou a liderança do templo atualmente estabelecida?
Após a declaração surpreendente e inesperada de Jesus, o sumo sacerdote rasgou suas vestes e encerra a fase de testemunhas. Mateus 26.65-66 registra as seguintes palavras de Caifás: “Blasfêmia! Que necessidade temos de outras testemunhas? Todos ouviram a blasfêmia. Qual é o veredicto?”. “Culpado!”, responderam. “Ele merece morrer!” – Os sumos sacerdotes eram proibidos de se envolverem na ação simbólica popular de rasgar as próprias vestes (Levítico 10.6 e 21.10), mas a resposta “blasfema” de Jesus produziu uma resposta imediata e veemente, diria até: teatral, sem levar em consideração as palavras da lei – e todos o condenaram à morte “merecida”.
Apesar da sentença de morte de Jesus decretada pelo Sinédrio, os judeus não tinham permissão dos romanos para executar pessoas (João 18.31). Os romanos permitiam aos judeus um certo grau de liberdade judicial em relação a seus próprios casos, mas reservavam a palavra final em casos de pena de morte para as cortes do império. Jesus seria, então, também julgado perante Pôncio Pilatos – governador romano em exercício na Judeia.
Embora os líderes judeus precisassem esperar até o nascer do sol da sexta-feira para emitir um veredito judaico formal e receber ou não a aprovação do governador romano, eles não tinham dúvida sobre a sentença final dos romanos, então a zombaria e o abuso começaram. Guardas ao redor, provavelmente líderes da polícia do templo, começaram a cuspir em Jesus e atacá-lo. Aquele abuso físico permitiu o cumprimento das profecias de Isaías (52.14): “Seu rosto estava tão desfigurado que mal parecia humano; por seu aspecto, quase não era possível reconhecê-lo como homem.” E também Isaías 50.6: “Ofereci as costas aos que me batiam e a face aos que me arrancavam a barba. Não escondi o rosto daqueles que zombavam de mim e em mim cuspiam.”
Os guardas zombaram de sua pretensão de ser o Messias de Deus, cobrindo seus olhos, batendo nele e pedindo-lhe que profetizasse a respeito da identidade daqueles que o golpeavam (Mateus 26.68). Na zombaria, o chamavam de “Cristo”. Não era fé, era escárnio e maldade. Lucas 22.65 registra que eles “o insultavam de muitas outras maneiras.” Talvez, pela falta de decoro nas palavras, fomos poupados dos palavrões. Toda aquela zombaria e tanto abuso físico eram apenas uma amostra do que Jesus ainda experimentaria nas mãos dos soldados romanos.
Enquanto isso, veja bem: Pedro o negava e o galo cantava! A negação de Pedro é um dos eventos mais pungentes e memoráveis que ocorreram durante o último dia de Jesus. Um dos amigos mais próximos de Jesus, um homem que horas antes jurara ficar ao lado de Jesus, independentemente do sacrifício ou do custo, negava sequer conhecê-lo e o abandonava na hora mais sombria. A tragédia do ato de Pedro era palpável e ele deixou a cena como um homem quebrado. Ele se arrependeu, quando ouviu o galo cantar pela terceira vez, ao mesmo tempo que contemplou olhar de Jesus para ele, mas não tinha muito o que fazer naquele momento.
A angústia emocional e espiritual auto infligida por Pedro contrastava fortemente com o sofrimento físico e emocional a que Jesus estava ao mesmo tempo sendo submetido. Pedro sabia que suas ações o colocaram, irrevogavelmente (ou assim ele pensava), sob a ira de Deus, enquanto Jesus sabia que em breve ele deveria experimentar todo o derramamento da ira de Deus, para que Pedro e todos os outros que depositassem pessoalmente sua fé em Jesus não precisassem sofrer o mesmo.
Ainda nas primeiras horas da manhã, tão logo raiou o sol, os judeus, com todo o Sinédrio, finalmente, reunido, emitiram a sentença final e encaminharam Jesus para o governador Pilatos. Naquele ínterim, Judas Iscariotes, ao ver que Jesus tinha sido condenado, mudou a cabeça, devolveu as moedas de prata e se enforcou. Atos 1.18 nos informa que “ao cair ali de cabeça, seu corpo se partiu ao meio, e seus intestinos se derramaram.” A queda do corpo de Judas e os horríveis detalhes registrados por Lucas podem ser devidos aos seguintes: ou o galho quebrou ou a corda rompeu e seu corpo se esborrachou no chão, ou seu corpo ficou pendurado por um período longo o suficiente para se apodrecer e se decompor, eventualmente caindo no chão e se esborrachando. Os relatos de Mateus e Atos concentram-se em diferentes aspectos dos detalhes do mesmo evento. Que final, meu Deus! Que final desgraçado foi aquele de Judas Iscariotes!
Ato contínuo, Pilatos interrogou Jesus e ficou sem saber como proceder. Ele achou Jesus inocente, mas os líderes judeus estavam em sério alvoroço. Em seu espanto e incerteza, ele achou uma brecha em uma das acusações que poderia lhe fornecer uma saída e aliviá-lo de ter que tomar uma decisão. Os principais sacerdotes e a multidão de seguidores que o acompanhavam insistiram que Jesus estava fomentando revolta entre o povo da Galileia e da Judéia. Ao investigar mais a fundo, Pilatos descobriu que Jesus realmente era galileu e, portanto, estava sob a jurisdição de Herodes Antipas, tetrarca da Galileia. A ideia era: Que Herodes lide com esse problema de Jesus!
Herodes interrogou Jesus e o enviou de volta para Pilatos. Ocorreu que assim como foi com Pilatos, os principais sacerdotes e escribas não saíram de perto, acusando veementemente Jesus, provavelmente com as mesmas acusações políticas que haviam feito contra ele diante do governador da Judeia. Uma vez que Herodes percebeu que Jesus não faria um sinal milagroso nem lhe concederia o respeito de responder às suas perguntas, ele e seus soldados começaram a zombar de Jesus e tratá-lo com desprezo. Visto que Jesus não estava disposto a rebaixar-se e satisfazer o prazer daquela audiência, ele se tornou objeto de abusos verbais e chacotas de mau gosto.
A bem da verdade, Herodes estava mais interessado em ver um milagre do que em determinar a verdade sobre as acusações dos líderes judeus contra Jesus ou em resolver o problema de Pilatos. Quando Jesus se recusou a cumprir sua ordem, Herodes o enviou de volta a Pilatos. Lucas fecha a conta com o curioso fato de que Herodes e Pilatos se tornaram amigos naquele dia, apesar de terem sido inimigos a vida toda. Um inimigo comum tem o poder de fazer amigos de conveniência. No entanto, ambos concluíram que Jesus era inocente das acusações que foram feitas contra ele (Lucas 23.15).
Jesus foi levado pela segunda vez a Pilatos. Pilatos se reuniu com os principais sacerdotes e líderes judeus e deu seu veredicto: ele puniria e em seguida libertaria Jesus. Pilatos deixou claro que ele e Herodes acharam Jesus inocente das acusações que haviam sido feitas contra ele. Na opinião deles, Jesus não representava uma ameaça ao domínio romano (Lucas 23.15), não viram nele culpa alguma (João 18.38). Foi por isso que Pilatos lançou sua proposta de punir e depois libertar Jesus. No entanto, nada daquilo satisfez os líderes judeus. Eles queriam mais que sangue. Eles queriam a morte de Jesus.
Pilatos ainda propôs uma solução que ele acreditava que resolveria o problema. Seguindo um costume, ele propõe um paredão entre Jesus e Barrabás, acreditando piamente que a multidão escolheria Jesus em vez de Barrabás, um homem violento que foi preso por participar de uma insurreição e cometer latrocino (assalto seguido de morte).
Pilatos não queria de jeito nenhum que Jesus fosse executado, porque sentia que os líderes judeus estavam agindo por mera inveja devido à crescente popularidade alcançada por Jesus. Ao mesmo tempo, ele não entendia completamente, nem se preocupa, com as acusações teológicas que as autoridades judaicas estavam levantando contra Jesus. Além disso, Mateus registra que, enquanto Pilatos esperava uma resposta da multidão, sua esposa enviou a ele uma mensagem urgente (Mateus 27.19): “Deixe esse homem inocente em paz. Na noite passada, tive um sonho a respeito dele e fiquei muito perturbada”. Não sabemos que sonho teria sido aquele, mas se sabe que os romanos davam muito crédito a sonhos, visões e presságios. Quaisquer que fossem as especificidades do sonho, a esposa de Pilatos conectou sua mensagem a Jesus e ficou suficientemente perturbada, a ponto de correr para alertar o marido.
Para desgosto de Pilatos, os líderes judeus incitaram a multidão a pedir a libertação de Barrabás, em vez de Jesus. Apesar da escolha da multidão por Barrabás, Pilatos tentou levar adiante seu plano original: punir e libertar Jesus. Mandou açoitar Jesus. Os soldados o açoitaram e dele zombaram. Depois daquele abuso, espécie de pré-sentença, na verdade, Pilatos apresentou Jesus à multidão para demonstrar que ele não achava que Jesus merecia a morte – já tinha administrado o castigo que achava que Jesus merecia. Naquele momento, Mateus e Marcos registram Pilatos como que perguntando: “Então, o que devo fazer com o homem que vocês chamam de rei dos judeus?” A pergunta desaguou naquelas que se tornaram algumas das mais famosas e arrepiantes palavras dos Evangelhos: “Crucifique-o!”
Após muita pressão, provocando uma situação que quase saiu de seu controle, Pilatos estava pronto para comunicar sua decisão final. Antes, porém, o governador se envolve em um ato simbólico – ele lava as mãos na frente de toda a multidão para indicar que ele era inocente do sangue de Jesus. As multidões, brava e orgulhosamente, responderam à ação de Pilatos, aceitando a responsabilidade pela morte de Jesus: “Caia sobre nós e sobre os nossos filhos o sangue desse homem!” NOTA: Apesar de todos os esforços de Pilatos para exonerar a si mesmo e professar sua inocência em relação à morte de Jesus, permanece o fato de que ele era sim responsável – todo o terrível caso ocorreu sob sua jurisdição e supervisão. Por mais que Pilatos tentasse afirmar sua neutralidade no assunto, ele não poderia responsabilizar apenas os líderes judeus pela morte de Jesus.
A etapa final do julgamento romano de Jesus terminou com terríveis flagelos. O flagelo ou castigo romano era tão brutal e violento que os prisioneiros ocasionalmente morriam antes da crucificação. Mesmo que Jesus sobrevivesse àquela forma de tortura, o espancamento garantia que ele morreria antes do pôr do sol. Durante a flagelação, ele foi amarrado a um poste e espancado com um chicote entrelaçado com ossos e metais e que rasgavam a pele e os tecidos do corpo nas partes que tocava. A ironia em cada relato do Evangelho é palpável: Jesus, um homem justo, foi condenado à morte enquanto Barrabás, um homem culpado, saiu livre. Jesus, um homem declarado inocente pelo governador romano, foi, no entanto, entregue à execução – um aborto ultrajante e flagrante da justiça.
Após a sentença, Jesus saiu em procissão pela estrada até o Gólgota. Carregou, ele mesmo a cruz. Foi zombado e massacrado pelo caminho. Quando eles chegam ao Gólgota, os soldados o ofereceram vinho misturado com fel e mirra, possivelmente como um sedativo suave ou outra forma de zombaria por causa de seu gosto amargo. Independentemente da razão pela qual foi oferecido, depois de prová-lo, Jesus recusou a bebida. Foi crucificado.
Jesus ficou na cruz por aproximadamente seis horas. Marcos observa que eles crucificaram Jesus por volta da terceira hora (meio da manhã) e uma escuridão incomum cobriu a terra da sexta hora (ao meio-dia) até a nona hora (meio da tarde), a parte mais brilhante e quente do dia. Aquela escuridão foi um ato sobrenatural de Deus e não um eclipse solar, porque um eclipse solar requer lua nova, e a Páscoa ocorreu em dias de lua cheia. No Antigo Testamento, trevas podem representar uma situação de ignorância e pecado humano (Isaías 60.1-3), lamento divino (Amós 8.9-10) ou julgamento divino (Êxodo 10.21-23; Joel 3. 14-16). No Gólgota, provavelmente comunicava todos esses sentidos: Jesus estava levando o julgamento de Deus pelo pecado do mundo, mas a morte trágica de um homem inocente deveria resultar em tristeza e lamento.
Muitos dos discípulos testemunharam a crucificação e morte de Jesus. Além de Maria, a mãe de Jesus, e de João, o discípulo amado, incluíam Maria Madalena, Maria, mãe de Tiago e José, Maria, esposa de Cléopas, e Salomé, mãe dos filhos de Zebedeu (Tiago e John). Fenômenos naturais acompanharam a morte de Jesus: a cortina do templo se rasgou em duas partes, de cima para baixo – simbolizando o caminho agora aberto para a presença de Deus, através de Jesus; um terremoto chacoalhou a terra, forte o bastante para partir rochas ao meio – simbolizando o julgamento de Deus; e muitos mortos ressuscitaram – simbolizando que a morte de Cristo trouxe vida. Diante de tanto, o oficial romano que mantinha a guarda reconheceu a divindade de Jesus.
Quando os soldados se aproximam de Jesus, eles perceberam que ele já tinha morrido e, portanto, não se incomodaram em quebrar suas pernas. João não indica o motivo, mas observa que um soldado pegou uma lança e perfurou o lado de Jesus, liberando um fluxo de sangue e água.
Quando a noite já se aproximava, José de Arimatéia pediu a Pilatos permissão para enterrar o corpo de Jesus. Marcos observa que Pilatos ficou surpreso por Jesus já estar morto. Normalmente, demorava muito mais tempo para morrer na cruz, mas depois de confirmar a morte de Jesus com o centurião, Pilatos concedeu a José permissão para enterrar o corpo. José comprou uma mortalha de linho, envolveu nela o corpo de Jesus e o colocou sua própria tumba, recém-cortada nalguma rocha daquelas proximidades.
José terminou o sepultamento apressadamente, rolando uma pedra contra a entrada. O principal objetivo da pedra era impedir que os animais selvagens devorassem o corpo. João observa que Nicodemos ajudou José no sepultamento, fornecendo mirra e aloés para o corpo que seria enrolado no linho, um gesto extravagante que indicava a alta estima de Nicodemos por Jesus.
Mateus, Marcos e Lucas concluem seus relatos do sepultamento de Jesus, observando que Maria Madalena e Maria, mãe de José, observaram tudo e viram onde Jesus foi colocado. Entendendo que o corpo não estava suficientemente preparado por causa do enterro apressado, aquelas mulheres prestaram muita atenção ao local, pretendendo retornar após o sábado com especiarias e perfumes adicionais.
Como Você Responde ao Sacrifício de Jesus?
O que podemos aprender? Qual aplicação nós podemos extrair destes incidentes da sexta-feira da última semana de Jesus?
UMA SUGESTÃO: Como você responde ao sacrifício de Jesus? Tudo o que Cristo sofreu na sexta-feira foi por amor. Para que todo aquele que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna. Você já provou do amor de Deus Pai e de Deus Filho revelado na vida e na obra de Cristo na sexta-feira da Paixão? Quanta injustiça, quanto insulto, quanta indiferença, quanto cinismo, quanta maldade, quanta crueldade, quanta omissão, quanto sofrimento, quanta ira, quanta dor, especialmente a dor e o sofrimento do abandono do Pai… Tudo por amor – justiça e amor, para que você e eu não fôssemos condenados e provássemos de infinito amor: o amor de Jesus. Como você responde ao sacrifício de Jesus? Arrependa-se do pecado. Creia nele para a salvação. Abandone seus atos de justiça própria. Recorra à justiça de Cristo comprada na cruz.
Deus abençoe você na sua peregrinação. Paz.
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Sexta-feira, 3 de abril de 33 d.C.
Pr. Leandro B. Peixoto