12.04.2020
João 19.26-27
26Quando Jesus viu sua mãe ali, ao lado do discípulo a quem ele amava, disse-lhe: “Mulher, este é seu filho”. 27E, ao discípulo, disse: “Esta é sua mãe”. Daquele momento em diante, o discípulo a recebeu em sua casa.
TOQUE DE AMOR
As últimas palavras de Jesus lá da cruz nos conduzem por uma estrada para dentro do coração de Deus de uma forma especial. Sofrendo os horrores da crucificação, Jesus optou por deixar de lado suas dores e angústias, dedicando-se a cuidar dos pecadores ao seu redor. Assim: Pelos que o maltratavam, ele pediu a Deus: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem” — palavra de perdão. Ao ladrão arrependido, Jesus anunciou: “Eu lhe asseguro que hoje você estará comigo no paraíso” — palavra de compaixão.
Na sequência, Jesus pronunciará a terceira palavra lá de seu “púlpito” na cruz e, mais uma vez, ele não estará pensando em si mesmo. Estará cuidando de Maria, sua mãe e de João, seu discípulo amado. A terceira palavra de Jesus lá da cruz é a mais tocante e terna de todas as outras: é palavra de compaixão. O que se pode aprender? Duas coisas pelo menos: Primeiro, aprendemos sobre a compaixão de Deus pelo sofredor solitário. Segundo, vemos reforçada a compaixão de Deus pelo pecador arrependido.
1 A COMPAIXÃO DE DEUS PELO SOFREDOR SOLITÁRIO
Antes de as trevas cobrissem toda a terra e ele lamentar pelo abandono do Pai (Mt 27.45-46), Jesus tomou algumas providências com relação a Maria, sua mãe. São muito apropriadas as palavras do comentarista bíblico William Barclay:
Há algo de infinitamente comovente no fato de Jesus, na agonia da cruz, no momento em que estava em jogo a salvação do mundo, olhar para a tristeza e pensar na solidão de sua mãe à partir do momento que dela ele seria retirado.
Maria, depois de uma vida de total dedicação ao filho, além de estar sofrendo muito, estava solitária. O marido, José, é provável que já estivesse morto, já que a última vez que nome dele é mencionado foi quando Jesus ficou esquecido no templo de Jerusalém, aos doze anos de idade (Lc 2.41-52). Após aquele episódio, José saiu de cena, apesar de Maria continuar sendo mencionada diversas vezes no ministério de Jesus, inclusive aqui na crucificação. Jesus, por ser o mais velho, tornou-se o arrimo da mãe e seu mais próximo companheiro.
Sabemos, pelos relatos dos Evangelhos, que, depois de crescidos, os outros filhos de Maria não se davam muito bem com o irmão Jesus — não criam nele (Jo 7.5), achavam que ele não era muito certo da cabeça (Mc 3.21).
Durante toda a sua vida, até àquele ponto, Maria havia sofrido muito por causa de do filho: sofreu com os insultos e as acusações durante a sua gravidez milagrosa e sobrenatural (“Gravida do Espírito Santo?!”); sofreu na viagem e na hora do parto, ao ter que dar à luz em um local desapropriado; sofreu ao ouvir que Herodes queria matar o menino; sofreu com o exílio no Egito; sofreu quando constatou que o filho era rejeitado e perseguido pelos homens; sofreu ao ver a forma como Jesus era tratado pelos irmãos; sofreu sem José ao lado dela para liderar e cuidar do lar… agora estava sofrendo com os horrores da crucificação de Jesus. Imaginem aquela mãe testemunhando a multidão escarnecer do filho; os malfeitores o insultar; as vestes do filho serem sorteadas; os mestres da lei zombarem dele; os soldados o agredirem com tanta crueldade… enquanto Jesus sangrava e abençoava os que estavam ao seu redor. Maria viveu, literalmente, o que Simeão havia profetizado a seu respeito. Lucas 2.34-35:
34Então Simeão os abençoou e disse a Maria, a mãe do bebê: “Este menino está destinado a provocar a queda de muitos em Israel, mas também a ascensão de tantos outros. Foi enviado como sinal de Deus, mas muitos resistirão a ele. 35Como resultado, serão revelados os pensamentos mais profundos de muitos corações, e você sentirá como se uma espada lhe atravessasse a alma”.
Em outras palavras: “Maria, seu filho será uma bênção para as nações, mas ele sofrerá muito por isso. A missão custará a vida dele. Você não ficará imune aos sofrimentos dele. Você irá sofrer, muito: você sentirá como se uma espada lhe atravessasse a alma”.
Sabedor de tudo o que Maria havia passado, estava passando e ainda passaria após a sua morte, Jesus redobrou o cuidado com a mãe. Como ele era o mais velho, responsável pela mãe e nenhum de seus irmãos — os outros filhos de Maria — ainda criam nele, Cristo decidiu que proveria para a mãe uma companhia à altura: João, seu discípulo amado. João 16.26: “Mulher, este é seu filho”.
Alguns detalhes interessantes deste episódio merecem a nossa cuidadosa observação: Enquanto Jesus proferia as suas palavras lá da cruz, os soldados repartiam entre si os pertences do Senhor (Jo 19.23-24). O turbante ficou com um dos soldados. As sandálias ficaram com outro soldado. O manto — uma espécie de toga ou sobretudo — ficou com mais outro soldado. A cinta ficou com ainda outro soldado. Sobrou ainda uma peça, a túnica: “sem costura, tecida numa única peça, de alto a baixo” (Jo 19.23). Decidiram, então, sorteá-la para verem quem ficaria com aquela quinta peça (Jo 19.24).
Muito interessante esses detalhes! Não apenas porque era o cumprimento de uma profecia do Salmo 22.18: “Repartiram minhas roupas entre si e lançaram sortes por minha veste” (Jo 19.24), mas também por revelar o carinho, o cuidado e a atenção de Jesus com as pessoas que mais se importavam com ele. Leon Morris, renomado estudioso do Novo Testamento, em seu comentário do Evangelho de João, escreveu que à luz de Mateus 27.55: “Estavam ali [aos pés da cruz] muitas mulheres, observando de longe; eram as que vinham seguindo a Jesus desde a Galiléia, para o servirem”; e à luz de Lucas 8.2-3: “e também algumas mulheres que haviam sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual saíram sete demônios; e Joana, mulher de Cuza, procurador de Herodes, Suzana e muitas outras, as quais lhe prestavam assistência com os seus bens” — não é improvável que as quatro mulheres ao pé da cruz tinham dado a Jesus as suas vestes e sandálias. João, portanto, além de demonstrar que a profecia do Salmo 22 estava sendo cumprida, queria também contrastar a atitude dos quatro soldados com a atitude das quatro mulheres (Jo 19.23-25). Então, João 19.26, “Quando Jesus viu sua mãe ali, ao lado do discípulo a quem ele amava, disse-lhe: ‘Mulher, este é seu filho’”.
Outro dado importante: A túnica sem costura, a quinta peça de roupa que fora sorteada pelos soldados, era culturalmente entregue ao filho pela mãe. Charles Swindoll nos conta de uma tradição que diza que Maria entregou essa túnica a Jesus quando ele saiu de casa. A relevância dessas informações: Há uma aparente associação entre as palavras de Jesus e o que faziam os soldados romanos. Imediatamente após os soldados lançarem sorte pela túnica de Jesus, nós lemos: “E junto à cruz estava a mãe de Jesus…” (v. 24-25). Então, João 19.26, “Quando Jesus viu sua mãe ali, ao lado do discípulo a quem ele amava, disse-lhe: ‘Mulher, este é seu filho’”.
Charles Swindoll escreve:
Por que naquele momento? Ela havia estado lá o tempo todo, assistindo e chorando. Por que ele não a havia reconhecido e falado com ela antes? Teria sido por causa da túnica sem costura? Creio que sim. Suas vestes externas e suas sandálias não tinham qualquer significado, mas quando eles tocaram na túnica, tocaram algo mais próximo do coração dele e da mãe — a veste que Maria havia feito para ele”.
Jesus, então, olhou para a mãe e proferiu-lhe palavras de compaixão, exatamente quando os soldados começaram a sortear a túnica que ela, com tanto amor, havia lhe dado de presente! Jesus disse a ela: “Mulher, este é seu filho”. Mulher, eu sei o quanto tudo isso te faz sofrer, mas eu não te deixarei só: eis aí quem eu tanto amo; eis aí quem você poderá acompanhar; eis aí quem irá caminhar com você de agora em diante; eis aí quem irá conversar com você; eis aí quem irá chorar e sorrir com você; eis aí quem irá cuidar de você; eis aí João, este é seu filho.
Jesus pronunciou palavra de compaixão: Maria, você não ficará sozinha! Maria, você não sofrerá sozinha! Maria, eis aí teu filho. Maria, eis aí João.
Deus se compadece de cada um de nós: ele sente as nossas dores, ele vê a nossa solidão, ele se importa com as nossas pequenas coisas, as que mais valorizamos, ele providencia para nós comunhão — “Eis aí”, ou seja: tire os olhos de si, tire os olhos da crise, tire os olhos da dor, tire os olhos do que te faz sofrer… olhe para o que Deus está te dando — eis aí João — olhe para a comunhão que Deus está provendo para você.
2 A COMPAIXÃO DE DEUS PELO PECADOR ARREPENDIDO
Quando Jesus foi preso, vemos que todos os discípulos o abandonaram e fugiram, Jesus os havia advertido daquela possiblidade (Mt 26.31). Eles, contudo, contestaram a declaração do Senhor (Mt 26.35). O fato é que, quando Jesus foi preso, todos o deixaram e fugiram, exatamente como o Senhor havia dito (Mt 26.56). Anás, o sumo sacerdote, durante o interrogatório, até provocou Jesus, perguntado pelos seus discípulos (Jo 18.19).
A razão para os discípulos o terem abandonado? Medo. Escândalo. Vergonha. Eles viram em Jesus um escândalo, uma pedra de tropeço (Mt 26.31). A palavra grega para escandalizar (Mt 26.31, ARA) é a mesma para tropeçar (Mt 5.29). Em outras palavras: os discípulos não queriam escandalizar (escândalo), não queriam tropeçar e cair com Jesus ou por causa dele, não queriam se entregar por Jesus.
Esta atitude dos discípulos nos remete ao que Satanás disse a Deus por ocasião do início das provações de Jó. Jó 2.4:
Satanás respondeu: “Pele por pele! Um homem dará tudo que tem para salvar a própria vida.
Erwin Lutzer escreveu assim:
Basta olharmos nas páginas da história para constarmos, com pesar, o enorme valor que as pessoas dão à vida física e material, em detrimento de princípios éticos e morais, e até da própria alma.
João e os discípulos, como muitos ainda hoje, tinham convicções profundas, mas não o suficiente para sofrer por causa delas; não o suficiente para abrir mão de certas coisas por causa delas. Foi por isso que abandonaram Jesus e fugiram. Mas João, graças a Deus, decidiu voltar para perto de Jesus. E, para a sua surpresa, descobriu que Jesus não o repreendeu, ao contrário, concedeu-lhe um privilégio sem igual: cuidar de Maria, sua mãe!
João 19.26-27:
26Quando Jesus viu sua mãe ali, ao lado do discípulo a quem ele amava, disse-lhe: “Mulher, este é seu filho”. 27E, ao discípulo, disse: “Esta é sua mãe”. Daquele momento em diante, o discípulo a recebeu em sua casa.
Esse incidente na vida de João nos revela verdades consoladoras sobre o caráter de Deus: ele não aplica juízo ao pecador arrependido, ele sempre se compadece do pecador que se arrepende e retorna, e ele sempre reutiliza de alguma forma o pecador que retorna arrependido.
PALAVRA DE COMPAIXÃO
Como você está se sentindo?
Como Maria: Sozinho? Sofrendo? Sem companhia? Sem esperança? Com a túnica sendo sorteada pelos outros? Com o coração ferido? Como você está se sentindo?
Como João: Arrependido? Quebrantado? Você esteve longe da cruz? Você deixou Jesus em troca de seus desejos e prazeres? Mas agora você retorna, arrependido e disposto a servir?
Deus tem palavra de compaixão para você!
Eis aí! — Fora de você, longe do seu passado, sem a antecipação do seu futuro: ai, do seu lado, aqui e agora! Portanto: tire os olhos de você; tire os olhos do seu problema; tire os olhos do seu passado; tire os olhos do seu futuro; tire os olhos do que te faz sofrer; tire os olhos do mundo.
Eis aí teu filho! — Eis aí alguém para conviver com você e ao lado de quem desfrutar a vida que segue — eis aí a igreja local: a comunhão dos irmãos! Portanto: caminhe com eles; chore com eles; congregue com eles; console-se com eles; confraternize-se com eles.
Eis aí tua mãe! — Eis aí uma tarefa para você — eis aí o corpo de Cristo para você servir: eis aí o seu irmão! Portanto: cuide dele; caminhe com ele; chore com ele; console-o; contribua com ele. Tome-o para si [para a sua casa] — João 19.27.
Autoavaliação:
Senhor, o que eu devo deixar para trás? O que eu devo esquecer?
Senhor, o que eu devo fazer depois de tudo o que ouvi?
Senhor, quem eu posso procurar depois de tudo o que ouvi?
Senhor, a quem eu devo servir depois de tudo o que ouvi?
Senhor, como eu posso servir depois de tudo o que ouvi?
S.D.G. L.B.Peixoto
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