01.08.2021
[Tiago 5.10-11] 10Irmãos, tenham os profetas que falaram em nome do Senhor como exemplo de paciência diante do sofrimento. 11Como vocês sabem, nós consideramos felizes aqueles que mostraram perseverança. Vocês ouviram falar sobre a perseverança de Jó e viram o fim que o Senhor lhe proporcionou. O Senhor é cheio de compaixão e misericórdia.
— Por que, Senhor?
Você já fez esta pergunta: Por que, Senhor? Por que eu, Senhor? Por que ele, Senhor? Por que ela, Senhor? Por que meu filho, por que minha filha, Senhor?
Você olha para alguém que ama – pode ser o filho ou a filha, o pai ou a mãe, o cônjuge, o noivo, o namorado ou o amigo – , você olha para essa pessoa e a vê definhar sobre a cama (ou morta, dentro de um caixão). Pode ser você mesmo ali sobre o leito: perdeu tudo, família, bens e agora a saúde; você se vê ou assiste alguém que ama ir ficando fraco, magro, abatido, emagrecendo até secar. E com dores, muitas dores!
Já passou por essa experiência?
Nessas horas, é inevitável esse tipo de questionamento diante de Deus: por que, Senhor? Por que, eu, Senhor? Por que ele, Senhor? Por que ela, Senhor? Por que meu filho, por que minha filha, Senhor? Por que meu pai, por que minha mãe, Senhor? Por que desse jeito, meu Deus? Por que agora, Jesus?
Nessas horas, a quê você recorre? Em quê você encontra consolo? Onde você coloca suas esperanças ou busca fortalecê-las?
Nestes tempos que estamos vivendo, o número de pessoas perguntando “Por que, Senhor?” aumentou exponencialmente. A dureza da vida, a devastação da COVID-19, a desestruturação da família e dos lares, a desumanidade das pessoas, os dilemas da alma, o desvio de um filho dos caminhos do Senhor, a dor de uma doença, a destruição de um sonho… o que não faltam são motivos para a indagação mais dolorosa de todas: Por que, Senhor? Por que desses jeito, Pai? Por que agora, Jesus? Por que, meu Deus? Por quê?
Pessoas bem intencionadas tentam nos ajudar, dizendo: não pergunte o porquê, pergunte para quê! Mas será que é tudo tão simples assim durante do temporal?
Permitam-me repartir com vocês a nossa experiência pessoal com Deus.
Desde 2018 minha família vem atravessando um mar revolto de enfermidade. Meu filho mais velho, Samuel, agora com 18 anos, foi diagnosticado com uma doença autoimune, uma Doença Inflamatória Intestinal (DII) que no início foi tratada como Retocolite Ulcerativa Crônica (RUC). Entrou em remissão, mas ficávamos sempre com esse fantasma rondando a cabeça da gente: será que ele está bem?
Daí veio a pandemia.
O fantasma aumentou de tamanho, pois ficávamos com a indagação: “E se o Sá pegar esse vírus? Ele não pode pegar, meu Deus!” Mas… Pegamos COVIDE-19 – a Cris, eu, o Sá e a Bela, todos ao mesmo tempo (ele, uns dias depois de nós, foi o último a apresentar os sintomas) – , de outubro para novembro do ano passado. Os sintomas foram leves para todos lá de casa, mas morríamos de medo de o Sá ter uma recaída da DII. Deus foi bom, e o garoto foi o que menos teve sintomas da COVID! Apenas escorreu o nariz e perdeu olfato e paladar! Enquanto nós convalescíamos no sofá e no colchão na sala, ele malhava com seus alteres na sacada do apartamento! O moleque passou ileso, praticamente sarado! Tudo estava bem. Tudo foi muito bem. Deus atravessou conosco aquele temporal e veio a bonança pós-COVID. Ah! E nada de recaída com a DII!
Junho deste ano. Cris e Sá tiveram, ao mesmo tempo, uma infecção intestinal, provavelmente por causa de salmonela, bactéria de um ovo estragado. A Cris ficou com diarréia por uns 15 dias, e o Sá com febres brandas (e no início, apenas episódios leves de diarréia). Para tornar curta uma longa história: esse quadro cutucou o sistema imunológico do menino e a DII acordou. E veio braba! De meados de junho para julho, o quadro clínico dele foi se agravando e desembocou em um quadro grave de abdômen agudo inflamatório e perfurativo – decorrente de doença de Crohn.
Deus colocou anjos em nosso caminho, Dr. Thyago Gregório, irmão nosso no SENHOR, foi um deles: ele abriu portas e nos fez chegar às mãos do Dr. Ayr Nasser Júnior, que operou o Sá lá no IOG – Instituto Ortopédico de Goiânia.
Na emergência do hospital, temíamos que o quadro grave fizesse ser necessário retirada de parte do intestino do menino. Confesso a vocês que desabei em lágrimas. Pedia: “Deus, que não seja necessário retirar/cortar alguma coisa do meu filho! Livra-o disso! Conduza as mãos do Dr. Ayr!” Graças ao bom Deus, e à competência do médico, não foi necessária qualquer extração! Mas foi preciso cerca de 15 litros de soro para lavarem as entranhas do meu filho. Retiraram mais de 3 litros de pus e de secreção abdominal que estavam colecionados em pelo menos cinco partes da barriga. A cirurgia toda demorou cerca de três horas. Ele foi para o quarto. Ficou 16 dias com nutrição parenteral, soro, antibióticos e corticoide na veia. Perdeu 18 quilos desde o início da crise!
Você é capaz de imaginar: como é duro para um pai e uma mãe assistirem a tudo isso, impotentes! Inda mais com o menino tão jovem! Fez 18 anos no dia da alta hospitalar, no último dia 25 de julho. Cristocidência: ele saiu do hospital na mesma hora em que havia nascido, 18 anos atrás, por volta das 9h40/9h50. Graças a Deus!
No momento, terminamos uma bateria de exames para darmos os próximos passos no tratamento dele, os quais serão com imunobiológicos, acompanhamento nutricional e outras coisas mais. Esse furacão, graças a Deus, por ora, parece-nos que passou! Ficaram apenas os destroços, a poeira e coisas para reconstruir. E como diz o salmista, em muitos momentos nós temos semeado com lágrimas, mas certos de que colheremos com alegria e cânticos nos lábios os feixes dessa semeadura de dor (Sl 126)!
Nessa investigações recentes, a Ressonância Magnética abdominal achou três pequenas coleções abdominais. E ontem o Sá apresentou uma febrícula. Resultado: amanhã ele será internado para antibióticos e avaliação para os próximos passos – os quais poderão ser: antibióticos apenas, punção para retirada dos líquidos que ainda se encontram no abdômen dele ou mesmo outra cirurgia para zerar.
Em quê se agarrar em meio a tempestades como essas?
Por mais que você lute e nade contra as ondas de incredulidade, lá no fundo fica a indagação: Por que, Senhor? Por que ele, Senhor? Por que tão jovem, meu Deus? Por que desse jeito, Pai? Por que agora, neste momento da vida dele, Jesus? E por aí vai…
A quê um pai e uma mãe devem se agarrar quando chega o temporal?
Em quê você deve se agarrar se é você no meio desse furacão?
Como enfrentar as indagações do coração e as setas do diabo nessas horas escuras do viver, sem se abater a ponto de entregar os pontos e blasfemar? Ah, meu povo! Como Satanás ataca nestes momentos! Metralha com dúvidas, medos e pavores. Atira até com pensamentos blasfemos, em alguns casos. O salmista, por exemplo, testemunhou desses ataques (Sl 116.3): “A morte me envolveu com suas cordas, e os terrores da sepultura me dominaram; não via outra coisa senão sofrimento e tristeza.”
Douglas H. Gresham, na Introdução que escreveu para o livro A anatomia de uma dor: um luto em observação, de C. S. Lewis, escreveu o que segue:
Este diário [o livro de Lewis] é um homem que se desnuda emocionalmente em seu próprio Getsêmani. Trata da agonia e do vazio de uma dor [a morte de Joy, esposa de Lewis], tal como poucos de nós têm de suportar, já que, quanto maior o amor, maior o luto e, quanto mais profunda a fé, mais ferozmente Satanás toma de assalto sua fortaleza. [Ed. Vida, pág. 22]
A única coisa capaz de te ancorar e de te sustentar e de ter fortalecer para prosseguir nestes momentos são as promessas da palavra de Deus, reveladas na Bíblia Sagrada e iluminadas pelo Espírito Santo no seu coração. No meu caso, agarrei-me à diversos trechos dos Salmos e, especialmente, ao livro de Jó. E dessa experiência, entendi que seria proveitoso para vocês, rebanho de Jesus sob meus cuidados, compartilhar ao longo deste mês de agosto uma série de mensagens no livro de Jó.
Que livro, meu Deus! E que desafio é o meu, o de pregá-lo!
Para se ter uma ideia, João Calvino pregou 159 sermões no livro de Jó – em um período de 14 meses, entre 1554 e 1555 (e eu, Deus permitindo, pregarei apenas oito ou dez sermões!). Outro fato curioso: durante os anos de 1643–1666 (quase 24 anos!) Joseph Caryl [quérol], um pastor congregacional, antecessor de John Owen em uma igreja independente em Londres, e que também esteve presente na Assembleia de Westminster, pregou cerca de 250 sermões no livro de Jó! Na mensagem final (lembrem-se: quase 24 anos depois do início da série!), ele se desculpou com a congregação, dizendo ao seus ouvintes: “Eu não consegui um entendimento tão claro de algumas passagens!”
Esse também pode ser o seu veredicto sobre o livro de Jó. Certamente é o meu! Quem de nós, honestamente!, já não o leu e, diante de algumas passagens, indagou, “mas o que isso significa”? É reconfortante, portanto, saber que um homem do calibre de Joseph Caryl também tenha se deparado com trechos difíceis de entender no livro de Jó.
Em que pese haver sim passagens difíceis neste livro, talvez não haja uma saga maior e mais comovente em toda a Bíblia do que a que se desenrola aqui: a história de Jó e seu sofrimento. Todos nós podemos nos identificar, em algum grau, com esta história. Sobretudo com os momentos de “impaciência” de Jó.
— Alto lá, pastor! — alguém poderá exclamar. — Todo mundo sabe que Jó era um homem “paciente”. Tiago 5.11, que lemos no início, apresenta-nos esse traço no caráter de Jó: a paciência. De fato, a versão da Bíblia Almeida Revista e Atualizada traz assim: “Tendes ouvido da paciência de Jó”. Então, pastor? Jó era um homem “paciente”!
— Ok! Mas comece ler o livro.
Nós começamos a ler a saga de Jó e sentimos que Jó NÃO era tão “paciente” como geralmente dizemos. A gente costuma dizer: “Fulano tem uma paciência de Jó!” Ou seja, “Fulano nunca explode, extrapola ou exaspera!” Não é verdade? Não é assim que nós concebemos “paciência”? Passividade! Mas à medida que progredimos na leitura do livro, descobrimos que Jó ia ficando cada vez mais “impaciente”. É tanto que ele desejou nem ter nascido, praticamente amaldiçoou o dia de seu nascimento para não ter que passar pelo que passou, para não ter que enfrentar tamanho sofrimento.
— Então, pastor, o apóstolo Tiago se contradiz, quando afirma: “Tendes ouvido da paciência de Jó” (Tg 5.11, ARA)?
— Não! De forma alguma! A Bíblia não se contradiz, jamais!
A questão toda se explica pelo sentido que nós comumente damos à palavra “paciência” em relação ao seu significado real em nosso vernáculo e também no original grego. Paciência não significa inércia, imobilidade ou inatividade, mas perseverança; persistência; resiliência. Paciência é a característica da pessoa que não se desvia de seu propósito de fé, sua lealdade à Deus e da vida piedosa mesmo diante das maiores provações e sofrimentos. Desse modo, o Jó que desabafou, dizendo:
Jó 3.10-13 10Amaldiçoado seja esse dia por não fechar o ventre de minha mãe, por permitir que eu nascesse, para presenciar todo este sofrimento. 11“Por que eu não nasci morto? Por que não morri ao sair do ventre? 12Por que me deitaram no colo de minha mãe? Por que ela me amamentou no seio? 13Se eu tivesse morrido ao nascer, agora estaria em paz; sim, dormiria e repousaria.
É o mesmo homem sobre o qual nós lemos:
Jó 1.20-22 20Então [após perder filhos e bens] Jó se levantou e rasgou seu manto. Depois, raspou a cabeça, prostrou-se com o rosto no chão em adoração 21e disse: “Saí nu do ventre de minha mãe, e estarei nu quando partir. O SENHOR me deu o que eu tinha, e o SENHOR o tomou. Louvado seja o nome do SENHOR!”. 22Em tudo isso, Jó não pecou nem culpou a Deus.
É a mesma pessoa que precisou, em amor, exortar a esposa desesperada:
Jó 2.8-10 8Jó, sentado em meio a cinzas, raspava a pele com um caco de cerâmica. 9Sua esposa lhe disse: “Você ainda tenta manter sua integridade? Amaldiçoe a Deus e morra!”. 10Jó respondeu: “Você fala como uma mulher insensata. Aceitaremos da mão de Deus apenas as coisas boas e nunca o mal?”. Em tudo isso, Jó não pecou com seus lábios.
Não é assim com a gente também, meu povo?
O sofrimento te abate, mas você não blasfema contra Deus; permanece amando-o e temendo-o. Só que lá no fundo, e tantas vezes em voz alta mesmo, você fica com o sentimento de que preferiria não ter nascido ou que isto e aquilo não tivesse acontecido para não ter que sofrer dessa maneira! Tantas vezes você “debate” com Deus, em fé! Você é “impacientemente perseverante”, por assim dizer.
Talvez seja por isso, ou por perceber que é assim mesmo, que a NVT (e a NVI) não tenha traduzido o substantivo grego υπομονη [hupomone] como paciência, mas como perseverança. Ouça, Tiago 5.11: “Como vocês sabem, nós consideramos felizes aqueles que mostraram perseverança. Vocês ouviram falar sobre a perseverança de Jó”.
Que é perseverança?
Perseverança é firmeza em meio ao temporal. Preste atenção em como a ARA traduziu perseverança em Tiago 5.11: “Eis que temos por felizes os que perseveraram firmes [υπομενω – hupomeno]. Tendes ouvido da paciência [υπομονη – hupomone] de Jó”.
Ora, o sofrimento nos abate e nós, “impacientemente perseverantes”, voltamo-nos para Deus, “debatemos” em fé com Deus e com a alma da gente diante de Deus. Esse é o exemplo de Jó e de todos os homens bíblicos que devemos imitar como exemplo:
Tiago 5.10-11 10Irmãos, tenham os profetas que falaram em nome do Senhor como exemplo de paciência diante do sofrimento. 11Como vocês sabem, nós consideramos felizes aqueles que mostraram perseverança. Vocês ouviram falar sobre a perseverança de Jó e viram o fim que o Senhor lhe proporcionou. O Senhor é cheio de compaixão e misericórdia.
Todos nós, de um modo ou de outro, identificamo-nos com o livro de Jó. Ele faz as grandes perguntas que trazemos no peito e muitas vezes não temos coragem de fazer: Por quê? Por que eu? Por que ele ou ela? Por que agora? Por que dessa forma? Por que coisas ruins acontecem a pessoas boas?
Jó é para todos aqueles que trazem consigo esse tipo de pergunta difícil (e que não tem coragem de fazê-las). Não é que Jó nos responderá da forma como desejamos (ele mesmo, como veremos ao longo da série, ficou sem respostas para muita coisa), mas revelará o propósito supremo na vida de todo e qualquer ser humano: ver a glória de Deus! Observe atentamente as últimas palavras de Jó no livro:
Jó 42.1-6 1Então Jó respondeu ao SENHOR: 2“Sei que podes fazer todas as coisas, e ninguém pode frustrar teus planos. 3Perguntaste: ‘Quem é esse que, com tanta ignorância, questiona minha sabedoria?’. Sou eu; falei de coisas de que eu não entendia, coisas maravilhosas demais que eu não conhecia. 4Disseste: ‘Ouça, e eu falarei! Eu lhe farei algumas perguntas, e você responderá’. 5Antes, eu só te conhecia de ouvir falar; agora, eu te vi com meus próprios olhos. 6Retiro tudo que disse e me sento arrependido no pó e nas cinzas”.
Desse modo, o que se aprende lendo Jó é que, na hora do sofrimento, a pergunta que devemos fazer não é: por quê? ou para quê?, mas: quem? Quem é o meu Deus! O sofrimento não nos aponta para as causas ou as razões, mas para Deus. Ouça o testemunho sábio de Eliú:
Jó 36.13-15 13Pois os ímpios são cheios de ressentimento; mesmo quando Deus os castiga, não clamam por socorro. 14Morrem em plena juventude, depois de desperdiçar a vida em imoralidade. 15Mas, por meio do sofrimento, ele livra os que sofrem e, por meio da adversidade, obtém sua atenção.
Ver a glória de Deus é o fim supremo desta e da vida além! De fato, vida eterna e abundante consistem em que se veja e se desfrute a glória de Deus na face de Cristo! O resultado de nascer de novo é ver a glória de Deus em Cristo (Jo 3.3). Portanto, todas as coisas, neste instante, em todo o Universo, giram em torno deste propósito: exibir, ver a glória de Deus. O próprio Jesus diz que o fim desta era depende do avanço do evangelho. Mateus 24.14: “As boas-novas a respeito do reino serão anunciadas em todo o mundo, para que todas as nações as ouçam; então, virá o fim.”
Ora, o evangelho é fundamental porque é por meio dele que se vê e se desfruta a glória de Deus na face de Cristo:
2Coríntios 4.3-6 3Se as boas-novas que anunciamos estão encobertas atrás de um véu, é apenas para aqueles que estão perecendo. 4O deus deste mundo cegou a mente dos que não creem, para que não consigam ver a luz das boas-novas, não entendendo esta mensagem a respeito da glória de Cristo, que é a imagem de Deus.
5Não andamos por aí falando de nós mesmos, mas proclamamos que Jesus Cristo é Senhor e que nós mesmos somos servos de vocês por causa de Jesus. 6Pois Deus, que disse: “Haja luz na escuridão”, é quem brilhou em nosso coração, para que conhecêssemos a glória de Deus na face de Jesus Cristo.
Meu povo, como Jó, em meio ao seu sofrimento, ansiou por ver esta glória, “a glória de Deus na face de Jesus Cristo”! Esse anseio fica evidente na forma como as atitudes e as palavras de Jó aparecem trançadas na trama da narrativa do livro.
Por exemplo [Joel R. Beeke, Bíblia de Estudo Herança Reformada]:
O fato de Jó oferecer holocaustos a Deus por seus filhos (1.5) demonstra que ele conhecia a necessidade de substituição e satisfação pelo pecado (Lv 1.4). Jó agia como sacerdote de sua família e, no fim, sua intercessão sacerdotal com sacrifícios salvou seus três amigos da ardente ira de Deus (42.7-8).
Jó, no entanto, não era o Mediador. Ele precisava de um mediador e ansiava por um árbitro ou advogado que pleiteasse sua causa com Deus. Jó 9.32-35:
32“Deus não é ser humano, como eu; não posso discutir com ele nem levá-lo ao tribunal. 33Se ao menos houvesse um mediador entre nós, alguém que nos aproximasse um do outro! 34Ele afastaria de mim o castigo de Deus, e eu já não viveria aterrorizado. 35Então falaria com ele sem medo, mas, sozinho, não consigo fazê-lo.”
Jó desejava um “fiador” que o garantisse na defesa. Ele queria um defensor. Jó 17.3: “Dá-me garantia de que me defenderás, ó Deus, pois ninguém mais tomará meu partido.” De fato, ele confiava em uma “testemunha” celestial, um advogado divino. Jó 16.18-22:
18“Ó terra, não esconda meu sangue! Não permita que meu clamor permaneça oculto. 19Agora mesmo, minha testemunha está nos céus, meu advogado está nas alturas. 20Meus amigos me desprezam, mas derramo minhas lágrimas diante de Deus. 21Preciso de um mediador entre mim e Deus, como alguém que intercede por seu amigo. 22Pois em breve seguirei pelo caminho do qual jamais voltarei.”
Jó sabia que não há amigo assim entre meros mortais, mas esperava pelo Redentor que viria visivelmente a este mundo e levantaria seu povo dentre os mortos:
Jó 14.14 Podem os mortos voltar a viver? Assim eu teria esperança durante todos os meus anos de luta e aguardaria a libertação que a morte traz.
Jó 19.25-27 25“Quanto a mim, sei que meu Redentor vive e que um dia, por fim, ele se levantará sobre a terra. 26E, depois que meu corpo tiver se decomposto, ainda assim, em meu corpo, verei a Deus! 27Eu o verei por mim mesmo, sim, o verei com meus próprios olhos; meu coração muito anseia por esse dia!
Eliú [o quarto amigo de Jó a aparecer na história] também falou do único Mediador que ensinaria justiça e apresentaria um resgate a Deus, de modo que pecadores arrependidos pudessem ser salvos da morte e rejuvenescidos na vida. Jó 33.23-28:
23“Mas, se um dos milhares de anjos do céu aparecer, para interceder por alguém e declará-lo justo, 24Deus terá compaixão e dirá: ‘Livre-o do túmulo, pois encontrei resgate por sua vida’. 25Então seu corpo se tornará saudável como o de um menino; será forte e jovem outra vez. 26Quando ele orar a Deus, será aceito. Deus o receberá com alegria e o restituirá à condição de justo. 27Ele declarará a seus amigos: ‘Pequei e perverti o que é correto, mas não valeu a pena. 28Deus me livrou do túmulo; agora minha vida contempla a luz’.
Outra coisa: o padrão da própria vida de Jó, como a de José (Gênesis 37–45), ilustrava o Salvador vindouro, porque o homem justo foi humilhado por um período de tempo em que Deus parecia estar escondido; mas, então, foi exaltado com surpreendente demonstração da glória de Deus como nos sofrimentos e na glorificação de Cristo.
Portanto, Jó ansiava por ver a glória do Mediador, Resgatador, Advogado, Redentor, e pela fé ele o viu. Mas veja você: antes de todo o sofrimento pelo qual passou, nas palavras de Jó mesmo, “eu só te conhecia de ouvir falar; agora, eu te vi com meus próprios olhos.” (Jó 42.5). O sofrimento capturou a atenção de Jó (36.15)!
E com quantos não é assim também?! A dor, e somente a dor, é o que os leva a Cristo! C. S. Lewis, por exemplo, no ápice de sua dor pela perda de Helen Joy Davidman, sua esposa, exclamou com sinceridade [Ed. Vida, pág. 82]:
Necessito de Cristo, não de algo que se pareça com ele [uma imagem, uma foto]. Quero H. [a esposa], não algo que seja como ela. Uma fotografia realmente boa pode tornar-se, no final, uma armadilha, algo deprimente e um verdadeiro obstáculo.
O sofrimento, no final das contas, é bondade de Deus para os que o amam e são chamados de acordo com os seus propósitos, pois – dentre uma infinidade de coisas ao mesmo tempo – nos desmama desta vida e nos faz querer mais de Cristo. C. S. Lewis, mais uma vez, foi brilhante ao escrever sobre a sua experiência com a dor do luto:
Coisa terrível é pensar que um Deus bom seja, nesse sentido, quase menos formidável do que um Sádico Cósmico. Quanto mais acreditamos que Deus fere apenas para curar, menos nos é dado crer que haja alguma utilidade em suplicar por ternura. Um homem cruel pode ser subornado — pode cansar-se de seu esporte imoral — pode ter um acesso temporário de bondade, como os alcoólatras têm acessos de sobriedade; mas suponha que aquilo com que você se bate seja um cirurgião cujas intenções são inteiramente boas. Quanto mais gentil e consciente ele é, mais sem piedade prosseguirá cortando. Se ele desistir diante de suas súplicas, se ele se detiver antes que a operação chegue ao fim, toda a dor até àquele ponto terá sido inútil; porém é de acreditar-se que extremos semelhantes de tortura nos sejam necessários?
Bem, faça sua escolha. As torturas ocorrem. Se elas são desnecessárias, então não há Deus nenhum, tampouco um Deus mau. Se há um Deus bom, então essas torturas são necessárias. Pois nenhum Ser que fosse bom, mesmo de maneira comedida, provavelmente seria capaz de as infringir ou de as permitir caso elas não fossem necessárias.
A dor e o sofrimento de Jó foram o bisturi nas mãos de Deus que cortou fora dele tudo aquilo que impedia sua visão plena da glória de Deus. Sim, Jó ouvira falar muito sobre Deus; “ele era íntegro e correto, temia a Deus e se mantinha afastado do mal” (Jó 1.1), mas foi através do sofrimento que seus olhos conseguiram ver a Deus (Jó 42.5).
Thomas Jonathan “Stonewall” Jackson (1824–1863) foi um militar americano, mais conhecido como um dos principais oficiais das forças armadas dos Estados Confederados da América (Estados do Sul dos EUA) durante a Guerra da Secessão americana (1861–1865) e um dos colaboradores mais próximos do general Robert E. Lee.
A biografia que James Robertson escreveu de Stonewall Jackson contém um belo e comovente relato da época em que, aos 30 anos de idade, Jackson perdeu sua esposa, Ellie, e seu filho recém-nascido – na tarde de domingo, 22 de outubro de 1854. Ocorreu que Ellie entrou em trabalho de parto. A criança nasceu morta. Cerca de uma hora depois, a esposa começou a ter hemorragia e morreu muito rapidamente. À sua irmã, Laura, Stonewall Jackson escreveu:
Fui chamado a passar pelas águas profundas da aflição, mas tudo ficou satisfatório. O Senhor dá e o Senhor tira, bendito seja o nome do Senhor! É sua vontade que minha querida esposa e filho não fiquem mais comigo, e como é sua santa vontade, estou perfeitamente reconciliado com o triste luto, embora eu lamente profundamente minha perda. Minha querida Ellie deu seu último suspiro na noite de domingo, o mesmo dia em que a criança nasceu morta. Oh! Os consolos da fé! Posso me submeter de boa vontade a qualquer coisa, Deus me fortalece. Oh! Minha irmã gostaria que você pudesse tê-lo como seu Deus! Embora toda a natureza para mim esteja neste momento eclipsada, tenho alegria em saber que Deus não retém nada de bom para aqueles que o amam e guardam seus mandamentos. E ele vai tornar esta triste, triste perda para o bem.
Algumas semanas depois, Stonewall Jackson escreve novamente à irmã:
Ela [a esposa] fez uma visita gloriosa através de um portal sombrio. Aguardo com alegria o dia em que me juntarei a ela. A fé é tudo o que desejo que seja. Estou reconciliado com minha perda e tenho alegria na esperança de uma futura reunião quando os perversor deixarão de tremer e os prostrados estarão descansando.
Jó teria dito o mesmo.
Outro grande exemplo, o de Sarah Edwards, esposa de Jonathan Edwards.
Jonathan Edwards foi um dos pregadores e escritores mais poderosos da história da Igreja. Quando ele tinha 55 anos, as vacinas contra a varíola tinham acabado de entrar em cena e, como estavam se mostrando úteis, ele se ofereceu para ser vacinado. Mas tudo indica que o médico deu-lhe dose muito elevada e ele desenvolveu uma febre que o matou. Edwards havia acabado de assumir o cargo de presidente da Universidade de Princeton, o terceiro presidente da história da instituição. Essa morte trouxe uma dura provação para sua esposa, Sarah. Mas ela não reclamou; ela se submeteu à soberania de Deus. E ela não se desesperou; ela confiou na bondade de Deus. Sabemos disso por causa de uma carta que escreveu à filha, contando sobre o falecimento do marido. Aqui está o que ela escreveu:
Minha querida filha,
O que eu devo dizer? Um Deus santo e bom nos cobriu com uma nuvem negra.
O Senhor fez isso. Ele me fez adorar sua bondade, a qual nos permitiu tê-lo conosco por tanto tempo. Mas meu Deus vive; e ele tem meu coração.
Oh, que legado meu marido e seu pai nos deixou! Somos todos dados a Deus; e lá estou eu, e adoro estar.
Sua sempre carinhosa mãe,
Sarah Edwards.
Jó teria dito o mesmo. E por isso Tiago escreveu:
Tiago 5.10-11 10Irmãos, tenham os profetas que falaram em nome do Senhor como exemplo de paciência [firmeza, constância] diante do sofrimento. 11Como vocês sabem, nós consideramos felizes aqueles que mostraram perseverança [perseveram firmes]. Vocês ouviram falar sobre a perseverança de Jó e viram o fim que o Senhor lhe proporcionou. O Senhor é cheio de compaixão e misericórdia.
Nós precisamos de Jó, do exemplo de Jó. Por isso, à partir de hoje e, Deus permitindo, até o final deste mês, nós embarcaremos numa jornada pela SAGA DE JÓ. Estamos em busca de um “exemplo de paciência [firmeza, constância] diante do sofrimento.” Queremos ouvir sobre: A SABEDORIA E A BONDADE DE DEUS NO SOFRIMENTO E NA BUSCA DOS SANTOS. À seguir, portanto, os seguintes: [1] A saga de Jó: Introdução ao livro; [2] A dedicação de Jó: Jó como exemplo para os pais; [3] O dilema de Jó: 1.1–2.10; [4] Os debates de Jó: 2.11–31.40; [5] O despir de Jó: 32.1–37.24; [6] A descoberta de Jó: 38.1–42.6; e [7] O desfecho de Jó: 42.7-17.
Minha oração é que esta série de mensagens auxilie você a tomar com fé o caminho do sofrimento como a estrada que te levará a ver a glória de Deus na face de Cristo.
S.D.G. L.B.Peixoto
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