11.11.2017
AS RAÍZES DA REFORMA DA TRADIÇÃO BATISTA
1689 — 1986
Segunda Confissão de Londres, 1677 e 1689
Entre 1644 (quando nasceu a primeira Confissão de Londres) e 1677 (redação da segunda Confissão de Fé ou Segunda Confissão de Londres) a Inglaterra enfrentou a convulsão da Revolução Puritana, a execução do Rei Carlos I (episcopal), o protetorado (Estado independente) de Oliver Cromwell, a restauração da dinastia Stuart (rei Tiago I), a imposição de um novo Ato de Uniformidade e a perseguição em atacado de dissidentes religiosos de todas as espécies.
Aquele foi um período de grandes provações para os Batistas, que juntamente com outros, sofreram grandemente por se recusarem a se conformar com as políticas rígidas das autoridades civis. Foi nesta época que John Bunyan ficou preso (ele pregava sem licença, recusando-se a se submeter às imposições da Igreja da Inglaterra, via autoridades civis) e escreveu O Peregrino (publicado em 1678).
A segunda confissão de fé dos Batistas, conhecida como Segunda Confissão de Londres (1677, 1689) seguiu de perto a Confissão de Fé de Westminster (Presbiterianos, 1646) e a Declaração de Savoy (Congregacionais, 1658). Comentando sobre sua dívida para com o documento composto pelos teólogos de Westminster, declararam os Batistas Particulares:
nosso amável acordo com eles nesta saudável doutrina Protestante que, com evidências tão claras extraídas das Escrituras, eles afirmam (Lumpkin, Confessions, p. 245).
Leon McBeth observou corretamente que os Batistas
costumavam usar confissões não tanto para proclamar ‘Distintivos Batistas’, mas, em vez disso, para mostrar como os Batistas eram semelhantes aos outros cristãos ortodoxos.
Portanto, sob a tensa atmosfera dos anos de 1670, era importante para os Batistas e para os outros Protestantes não-conformistas apresentarem uma frente unificada de doutrinas para impedirem, tanto quanto possível, a hostilidade aberta dos poderes constituídos contra aqueles homens e mulheres de boa fé. Nascia, assim, a Segunda Confissão de Londres (1677) e depois, 11 anos mais tarde, uma grande assembleia de “ministros e mensageiros”, representantes de cerca de 100 igrejas Batistas Particulares espalhadas na Inglaterra e no País de Gales, reuniram-se em 1689, na cidade de Londres, e reeditaram uma edição definitiva da Segunda Confissão de Londres (1689).
Recapitulando: 1 — (1609) Breve Confissão de Fé em 20 Artigos, por John Smith; 2 —(1644) Confissão de Fé de Londres, pelos Batistas Particulares; 3 — (1677 e 1689) Segunda Confissão de Londres, pelos Batistas Particulares.
Confissão de Fé da Filadélfia, 1742
Em 1707, a primeira Associação Batista na América do Norte foi organizada em Filadélfia, EUA. Como faz parte da história dos bons Batistas, logo iniciou-se disputas teológicas entre eles também lá no Novo Mundo. O que fazer?
Apelaram como estandarte da verdade“a Confissão de Fé, estabelecida pelos ministros e mensageiros reunidos em Londres no ano de 1689, que a nós também pertence”. Assim foi que quando a Associação se reuniu em 25 de setembro de 1742, eles decidiram pela impressão daquela Confissão “clássica da fé Batista” e que, do lado de cá do Atlântico, ficou conhecida como Confissão de Fé da Filadélfia (1742).
Fato curioso é que a Confissão da Filadelfia foi impressa por Benjamin Franklin, cuja visão deísta de mundo se chocava frontalmente com a de seus vizinhos Batistas na Filadélfia!
Da Filadélfia, a Confissão de Fé foi levada para a Associação Batista de Charleston, na Carolina do Sul. Em breve, ela se tornaria amplamente aceita como a Confissão de Fé definitiva entre os Batistas na América, de norte a sul.
Tanto foi assim que, em 1845, reunidos em Augusta na Georgia, para organizarem a Convenção Batista do Sul dos Estados Unidos da América, os Batistas adoraram como sua a Confissão de Fé da Filadélfia/Charleston.
Confissão de New Hampshire, 1833
Enquanto a Filadélfia era o nervo central para o desenvolvimento Batista nas colônias americanas, a região de New England também produziu grandes expoentes da denominação; Roger Williams, John Clarke, Obadiah Holmes e Isaac Bakus.
Em 1833, 81 anos após a Confissão da Filadélfia, a Convenção Batista de New Hampshire publicou uma “Declaração de Fé” que teria muito mais influência entre os Batistas do final do século XIX e do início do século XX (inclusive entre os Batistas Brasileiros).
O relator da Confissão de Fé de New Hampshire foi John Newton Brown. Isso ocorreu em 1833. Essa Confissão foi aos poucos se tornando largamente aceita entre os Batistas, especialmente entre os Batistas do Sul dos EUA, substituindo, eventualmente, a Confissão de Fé de Filadélfia.
Em questões de soteriologia, a Confissão de Fé de New Hampshire segue a orientação da Confissão de Fé da Filadélfia, mas o seu tratamento das doutrinas da graça é mais curto, menos específico e suscetível a ambiguidades teológicas.
Fé e Mensagem Batista, 1925, 1963
Em 1925, a Convenção Batista do Sul dos EUA adotou sua primeira confissão de fé oficial para todas as igrejas: Fé e Mensagem Batista. Baseada na Confissão de Fé de New Hampshire, essa declaração de fé foi um grito de guerra para a teologia conservadora com incandescente fervor missionário e evangelístico.
Em 1963, respondendo à necessidade de se combater aos ataques que a autoridade bíblica estava recebendo entre os Batistas, a Convenção Batista do Sul dos EUA adotou uma visão revisada da Fé e Mensagem Batista.
A revisão de 1963 fez várias mudanças na original de 1925. Destaco especialmente, o primeiro artigo, sobre as Escrituras, onde podemos notar uma clara influência da neo-ortodoxia vigente.
Confissão de Fé de New Hampshire (1833) e Fé e Mensagem Batista (1925)
Cremos que a Bíblia Sagrada foi escrita por homens divinamente inspirados, e é um perfeito tesouro de instrução celestial; que tem Deus como seu autor, salvação como seu fim, e verdade sem qualquer mistura de erro como seu conteúdo; que ela revela os princípios pelos quais Deus nos julgará; e por isso é, e continuará sendo até o fim do mundo, o verdadeiro centro da união cristã, e o supremo padrão pelo qual toda conduta, credos, e opiniões humanas devem ser julgados.
Fé e Mensagem Batista (1963)
A Bíblia Sagrada foi escrita por homens divinamente inspirados e é o registro da revelação que Deus faz de si mesmo ao homem. É um tesouro perfeito de instrução divina. Tem Deus como seu autor, a salvação como seu fim, e a verdade, sem qualquer mistura de erro, como seu conteúdo. Ela revela os princípios pelos quais Deus nos julgará; e, portanto, é, e permanecerá até o fim do mundo, o verdadeiro centro da união cristã, e o padrão supremo pelo qual toda conduta humana, credos e opiniões religiosas devem ser tentadas. O critério pelo qual a Bíblia deve ser interpretada é Jesus Cristo.
Fé e Mensagem Batista (2000)
A Bíblia Sagrada foi escrita por homens divinamente inspirados e é a revelação que Deus faz de si mesmo ao homem. É um tesouro perfeito de instrução divina. Tem Deus como seu autor, a salvação como seu fim, e a verdade, sem qualquer mistura de erro, como seu conteúdo. Portanto, toda a Escritura é totalmente verdadeira e confiável. Ela revela os princípios pelos quais Deus nos julgará; e, portanto, é, e permanecerá até o fim do mundo, o verdadeiro centro da união cristã, e o padrão supremo pelo qual toda conduta humana, credos e opiniões religiosas devem ser julgadas. Toda a Escritura é um testemunho de Cristo, que é, ele mesmo, o foco da revelação divina.
Comentando sobre as mudanças da Fé e Mensagem Batista 2000 em relação à de 1963, Albert Mohler Jr. escreveu:
A versão de 1963 afirmava que a Bíblia “é o registro da revelação que Deus faz de si mesmo ao homem”. Retiramos a palavra “registro” para remover a confusão sobre a natureza da revelação de Deus na Bíblia. A Bíblia não é meramente um registro de revelação. É a própria revelação. A Bíblia não é um testemunho falível da revelação de Deus. É a Palavra perfeitamente inspirada de Deus. A Palavra escrita testifica do Verbo encarnado, Jesus Cristo, como o próprio Senhor explicou.
Declaramos claramente que “toda a Escritura é um testemunho de Cristo, que é, ele mesmo, o foco da revelação divina”. Isso substitui a linguagem anterior, que afirmava que Jesus Cristo é “o critério pelo qual a Bíblia deve ser interpretada”. Por quê? Simplificando, porque 30 anos de abusos e ataques à integridade da Bíblia deixaram claro que alguns estavam usando essa linguagem para negar a veracidade e a autoridade da Palavra de Deus.
Alguns que ensinavam em nossos seminários nas últimas décadas reivindicavam que isso lhes permitia que negassem a veracidade de quaisquer passagens bíblicas que não se elevassem ao padrão, que segundo eles, era a intenção de Jesus. Professores e pastores negaram que Deus ordenou a conquista de Canaã, testou Abraão no sacrifício de Isaque ou inspirou o Apóstolo Paulo quando escreveu sobre a família ou papéis na igreja. Um mensageiro, tragicamente, afirmou que a Bíblia é “apenas um livro”. Os principais batistas do sul – e os cristãos de todas as denominações – sabem melhor.
Aqueles que se opuseram às revisões adotadas este ano pela Convenção estão fora de contato com os Batistas do Sul, fora do caminho da grande tradição dos cristãos fiéis ao longo dos séculos e fora de linha em sua linguagem intemperante.
Os batistas do sul não se retirarão terreno elevado da autoridade bíblica e da integridade teológica. Ao adotar a Fé e Mensagem Batista 2000, os batistas do Sul estão determinados a enfrentar o futuro a partir do terreno elevado da fidelidade bíblica.
Confissão de New Hampshire no Brasil, 1882
No Brasil, a confissão de fé adotada pelo missionário Zacarias Clay Taylor, na PIB da Bahia (1882), logo no seu início, foi a Confissão de Fé de New Hampshire.
Outras igrejas Batistas logo seguiram-lhe o exemplo. William Buck Bagby a adotou logo em seguida na PIB do Rio de Janeiro, em 1884.
Entretanto, foi só em 1916 que a Convenção Batista Brasileira adotou a tradução feita por Zacarias Taylor, em 1882, da Confissão de Fé de New Hampshire (1833), recebendo o nome de A Confissão de Fé dos Batistas Brasileiros.
Falando sobre este período, Marcus Paixão, em artigo na internet intitulado A Chegada dos Batistas no Brasil, escreveu assim:
Com a chegada dos missionários Batistas norte-americanos ao Brasil, chegaram também as primeiras confissões de fé. As igrejas Batistas que foram iniciadas no Brasil, sem exceção, eram confessionais. Esse fato desmente por completo a ideia muito propagada no Brasil de que os Batistas não tinham credos ou confissões de fé. Não só tinham credos e confissões, como também dispunham de catecismos, e toda igreja Batista no Brasil, a princípio, era organizada sob bandeira de uma confissão de fé calvinista. A primeira confissão a ser utilizada nas igrejas brasileiras foi a Confissão de Fé de New Hampshire, um documento dos Batistas Particulares, muito embora já houvesse uma fragmentação doutrinária em andamento entre os Particulares nos Estados Unidos. Em 1882 a Igreja Batista em Salvador (BH) foi organizada, destacando a adoção da Confissão de Fé de New Hampshire (PEREIRA, 2001; SANTOS, 2004).
Acontece que como foram surgindo alguns problemas teológicos relacionados com a doutrina do Espírito Santo, a CBB houve por bem nomear uma comissão para preparar uma declaração doutrinária. Depois de estudar bem o assunto em tela, a comissão apresentou o resultado de seu trabalho na Assembleia da CBB realizada em 1979, com o título Declaração Doutrinária. O assunto “Declaração Doutrinária” foi apreciado em cada Assembleia da CBB até o ano de 1986, quando, então, foi a declaração aprovada definitivamente.
Marcus Paixão destaca que
A Declaração de Fé de New Hampshire só foi oficialmente abandonada pela Convenção Brasileira em 1986, em sua 67ª Assembléia realizada em Campo Grande – MS. Isso mostra que desde a chegada dos Batistas no Brasil, mas precisamente, desde a organização da primeira igreja Batista em Salvador, ocorrida em 1882, quando ainda nem mesmo existia uma Convenção Batista Brasileira, até o ano de 1986, os batistas tinham a Declaração de New Hampshire como sua confissão. Um período que durou 104 anos! Por 104 anos todas as igrejas eram organizadas com uma confissão de fé afinada com a teologia do Batistas Particulares.
Destaques
Dois destaques, pelo menos, merecem nossa atenção. Conquanto esteja quase totalmente alinhada com a tradição Reformada, expressa, por exemplo, na Confissão de Fé de 1689, diferentemente da Confissão de Fé de New Hampshire, a Declaração Doutrinária da CBB traz algumas ambiguidades e mudanças que julgo serem perigosas.
Sobre a escritura:
Confissão de Fé de New Hampshire (1833)
Cremos que a Bíblia Sagrada foi escrita por homens divinamente inspirados, e é um perfeito tesouro de instrução celestial; que tem Deus como seu autor, salvação como seu fim, e verdade sem qualquer mistura de erro como seu conteúdo; que ela revela os princípios pelos quais Deus nos julgará; e por isso é, e continuará sendo até o fim do mundo, o verdadeiro centro da união cristã, e o supremo padrão pelo qual toda conduta, credos, e opiniões humanas devem ser julgados.
Declaração Doutrinária da CBB
I — Escrituras Sagradas
A Bíblia é a Palavra de Deus em linguagem humana. É o registro da revelação que Deus fez de si mesmo aos homens. [BFM 2000: “A Bíblia Sagrada foi escrita por homens divinamente inspirados e é a revelação que Deus faz de si mesmo ao homem. É um tesouro perfeito de instrução divina.”]. Sendo Deus seu verdadeiro autor, foi escrita por homens inspirados e dirigidos pelo Espírito Santo. Tem por finalidade revelar os propósitos de Deus, levar os pecadores à salvação, edificar os crentes e promover a glória de Deus. Seu conteúdo é a verdade, sem mescla de erro, e por isso é um perfeito tesouro de instrução divina. Revela o destino final do mundo e os critérios pelo qual Deus julgará todos os homens. A Bíblia é a autoridade única em matéria de religião, fiel padrão pelo qual devem ser aferidas as doutrinas e a conduta dos homens. Ela deve ser interpretada sempre à luz da pessoa e dos ensinos de Jesus Cristo. [BFM 2000: Toda a Escritura é um testemunho de Cristo, que é, ele mesmo, o foco da revelação divina.]
Sobre a salvação:
Confissão de Fé de New Hampshire (1833)
7 — Da Graça na Regeneração
Cremos que, a fim de serem salvos, os pecadores devem ser regenerados, ou nascidos de novo; que a regeneração consiste em dar uma disposição santa à mente; que ela é efetuada de uma maneira acima da nossa compreensão pelo poder do Espírito Santo, em conexão com a verdade divina, de maneira a assegurar nossa obediência voluntária ao evangelho; e que sua evidência apropriada aparece nos santos frutos do arrependimento, fé e novidade de vida.
8 — Do Arrependimento e da Fé
Cremos que o arrependimento e a fé são deveres sagrados, e também graças inseparáveis, operadas em nossas almas pelo Espírito regenerador de Deus; pelo que sendo profundamente convencidos de nossa culpa, perigo e incapacidade, e do caminho da salvação por Cristo, nós retornamos para Deus com contrição, confissão e súplica por misericórdia não fingidas; ao mesmo tempo recebendo genuinamente o Senhor Jesus Cristo como nosso profeta, sacerdote e Rei, e confiando nele somente como único e todo-suficiente salvador.
Mensagem e Fé Batista (1963 e 2000)
IV — Salvação
1. A regeneração, ou novo nascimento, é uma obra da graça da Deus através da qual os crentes se tornam novas criaturas em Cristo Jesus. É uma mudança no coração feito pelo Espírito Santo por meio da convicção do pecado, à qual o pecador responde em arrependimento para com Deus e fé no Senhor Jesus Cristo. O arrependimento e a fé são experiências inseparáveis da graça.
O arrependimento consiste verdadeiramente em virar as costas ao pecado e voltar-se para Deus. A fé é a aceitação de Jesus Cristo e a entrega de toda a personalidade a Ele como Senhor e Salvador.
Declaração Doutrinária da CBB
V — Salvação
[Parágrafo 2o] A regeneração é o ato inicial da salvação em que Deus faz nascer de novo o pecador perdido, dele fazendo uma nova criatura em Cristo. É obra do Espírito Santo em que o pecador recebe o perdão, a justificação, a adoção como filho de Deus, a vida eterna e o dom do Espírito Santo. Nesse ato o novo crente é batizado no Espírito Santo, é por ele selado para o dia da redenção final e é liberto do castigo eterno dos seus pecados. Há duas condições para o pecador ser regenerado: arrependimento e fé. O arrependimento implica mudança radical do homem interior, por força do que ele se afasta do pecado e se volta para Deus. A fé é a confiança e aceitação de Jesus Cristo como Salvador e a total entrega da personalidade a ele por parte do pecador. Nessa experiência de conversão o homem perdido é reconciliado com Deus, que lhe concede perdão, justiça e paz.
Pois bem, o tempo não nos permite ir além do que já foi exposto. Os interessados, ao fazerem uma pesquisa comparativa nas confissões Batistas, descobrirão que os temas fundamentais da teologia dos grandes reformadores do século XVI se encontram em nossas declarações doutrinárias. Claro que, como já notamos anteriormente, há algumas poucas modificações, além do tratamento mais curto, menos específico e suscetível a ambiguidades teológicas de algumas doutrinas centrais. Salvo ainda, claro, algumas diferenças sobre batismo, sistema de governo e separação entre igreja e estado.
Ademais, não é errado afirmar que os Batistas possuem sim raízes da Reforma Protestante em sua longa tradição, desde os Separatista ingleses, passando pelos Batistas americanos, até chegarmos nos dias de hoje no Brasil.
S.D.G. L.B.Peixoto
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