

21.12.2025
Há um paradoxo brutal na natureza humana: o mesmo sinal, no mesmo instante, pode desencadear reações violentamente opostas. Tudo depende de quem somos quando as luzes se apagam e do que carregamos escondido no peito.
Imaginem a cena. É madrugada. O silêncio na casa é absoluto, pesado. De repente, o celular na mesa de cabeceira desperta. A tela rasga o breu do quarto com uma luz fria e azulada. O zumbido seco da vibração arranha a madeira do móvel.
E então? O que acontece dentro de você?
Para a pessoa que vive com a corda no pescoço, esmagada por uma dívida impagável; para quem guarda um segredo sujo ou vive na iminência de uma tragédia, aquele clarão repentino é um golpe físico. É o som do terror. O estômago embrulha. O sangue foge do rosto. Naquela fração de segundo, a mente projeta os piores cenários: “Descobriram tudo?”, “O credor me achou?”, “A catástrofe finalmente chegou?”. Para a consciência pesada, a notificação não é um aviso; é uma sentença. Soa como uma ameaça.
Mas mude o cenário. Pense nos pais que estão com os olhos pregados no teto, incapazes de dormir, aguardando o filho que está na estrada voltando para casa. Ou pense em alguém que espera, com a alma por um fio, a resposta de quem ama. Aquele mesmo som, na mesma hora escura, é a música mais doce do mundo. O coração também dispara, não de pavor, mas de uma expectativa elétrica, de um alívio que faz as mãos tremerem ao pegar o aparelho. É o som da vida. É a confirmação da chegada.
O evento externo é idêntico — uma luz, uma vibração sobre o móvel. Mas a condição do coração — o medo que o corrói ou a esperança que o sustenta — é o que define se aquela luz repentina será um ataque ou um abraço.
Nesta manhã, quando lemos o Evangelho de Lucas, capítulo 2, testemunhamos o instante preciso em que o céu quebrou o silêncio, iluminou o firmamento da meia-noite e enviou sua notificação suprema à terra — disse o anjo, em Lucas 2.10-12:
“Não tenham medo! Trago boas notícias, que darão grande alegria a todo o povo. 11Hoje em Belém, a cidade de Davi, nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor! 12Vocês o reconhecerão por este sinal: encontrarão o bebê enrolado em faixas de pano, deitado numa manjedoura”.
Para a Roma de César Augusto, embriagada de poder, perdida entre seus mapas, censos e tributos, o alerta foi ignorado. O mundo estava ofuscado demais pelo brilho de si mesmo, ruidoso demais para perceber o movimento de Deus. Mas nos campos de Belém, na quietude gelada das vigílias da noite, quando a escuridão foi subitamente rasgada por uma luz insuportável e um som indescritível, foi impossível ignorar.
O brilho da glória e o som de louvor do céu desencadearam uma cadeia de reações que merecem nossa atenção neste domingo que antecede o Natal. Vamos ver como a mesma glória que a princípio causou “grande temor”, tornou-se a fonte do maior cântico da história. Meu desejo é que você saiba discernir qual é o verdadeiro efeito da mensagem do Natal sobre sua vida.
Acompanhem comigo a caminhada através de Lucas 2.1-20, e preparem-se para descobrir como essa notícia converteu a angústia do medo em motivo de adoração.
Estamos com os pés no distrito de Efrata, em Belém.
Deus já havia depositado a semente divina no silêncio do ventre de Maria (Lc 1.26-38). Agora, ele planta um pensamento na mente de César Augusto, acionando as grandes engrenagens da história humana, num movimento irrevogável que transformaria o mundo para sempre — Lucas 2.1-3:
1Naqueles dias, o imperador Augusto decretou um recenseamento em todo o império romano. 2(Esse foi o primeiro recenseamento realizado quando Quirino era governador da Síria.) 3Todos voltaram à cidade de origem para se registrar.
O mundo romano estava em convulsão. Multidões tomavam as estradas, carregando seus pertences, forçadas a cumprir o decreto do implacável Augusto. Para César, o objetivo era frio e claro: contar cabeças para cobrar impostos. Essa era a manchete oficial que corria pelas províncias.
Mas nós conhecemos a história oculta aos olhos naturais — era Deus quem girava o eixo do mundo para garantir uma entrega muito específica em Belém, o lugar exato apontado pelo profeta — Miqueias 5.2:
Mas você, ó Belém [no distrito de] Efrata, é apenas uma pequena vila entre todo o povo de Judá. E, no entanto, um governante de Israel, cujas origens são do passado distante, sairá de você em meu favor.
Quando a plenitude do tempo chegou (Gl 4.4), em meio àquele vasto oceano de gente que se deslocava para o recenseamento, Lucas estreita o foco de sua lente. Ele ignora as massas e fixa o olhar em um único casal, exausto pela viagem, lutando contra a correnteza da multidão ao redor — Lucas 2.4-5:
4Por ser descendente do rei Davi, José viajou da cidade de Nazaré da Galileia para Belém, na Judeia, terra natal de Davi, 5levando consigo Maria, sua noiva, que estava grávida.
Lucas escreve com uma sutileza magistral. Ele nos arranca dos salões de mármore de César Augusto, nos faz atravessar o ruído das massas nas estradas empoeiradas e nos deposita na pequena e insignificante história de um homem comum e sua noiva, que carregava uma criança protegida apenas pela escuridão de seu ventre.
Quem poderia imaginar que o tesouro mais precioso de Deus viria em uma embalagem tão frágil?
Nossos olhos teriam buscado o Messias nos aposentos ornamentados dos palácios de César ou nas mansões blindadas dos líderes religiosos dos judeus ou nos átrios do templo em Jerusalém. Jamais imaginaríamos que o Cristo estaria sendo gerado no ventre da humilde Maria. — Ora, quem era Maria?! — Aos olhos do mundo, ela era apenas mais uma jovem grávida sobre o lombo de um animal, carregando o peso de um escândalo e a poeira da estrada.
Honestamente, quem teria a audácia de desenhar um cenário assim para a entrada do Rei dos reis neste mundo?
Uma espiada na hospedaria
Lucas avança com detalhes que, de tão modestos para a chegada do Salvador, do Messias prometido de Israel, beiram o absurdo — Lucas 2.6-7:
6E, estando eles ali, chegou a hora de nascer o bebê. 7Ela deu à luz seu primeiro filho [seu primogênito], um menino. Envolveu-o em faixas de pano e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria.
Por séculos, esses dois versículos simples têm preenchido a imaginação dos maiores pintores e escritores, que criaram cenas de beleza artística. E quem nunca se deixou enganar por uma imagem retocada da natividade? É só observar os presépios de Natal ou as imagens geradas por IA (inteligência artificial): tudo muito bonitinho. Fofo! Esplendoroso.
Mas… era mesmo assim?
Longe disso!
A realidade foi brutal.
Quando José e Maria chegaram, Belém estava um caos. A única “vaga” que o dono da hospedaria ofereceu, visando o lucro, foi um canto espremido entre animais de carga.
Ao abrirem a porta, o que os recebeu não foi um coral, mas o relincho de cavalos, o mugido de bois e o zurrar de jumentos, acompanhados de um cheiro insuportável de estrume úmido e urina de animais. O chão era de terra batida. A iluminação era a penumbra assustadora de uma lamparina emprestada.
Ali, sem dignidade ou privacidade, Maria entrou em trabalho de parto. Exausta, com os pés inchados e as costas latejando contra a madeira áspera, ela lutou contra as dores. José, o parteiro mais improvável da Judeia, corria desesperado improvisando o que podia: o manto sujo de poeira virou lençol, um cocho de comida sujo virou berço; feno velho virou colchão; trapos pendurados viraram toalhas.
Entre o suor, o sangue e a sujeira do estábulo, com um último esforço sobre humano, o trabalho de parto acabou. Jesus nasceu. O Messias chegou.
Imaginem a cena, meus irmão!
Por alguns momentos preciosos, no silêncio recuperado após os berros de dor, José e Maria tiveram o pequeno Salvador só para eles, enquanto os três se aconchegavam para se aquecer na noite fria de Belém.
Do outro lado do mar, César Augusto dormia aquecido e seguro entre lençóis de seda, sobre um leito luxuoso. Quais foram os sonhos do imperador de Roma naquela noite? Teriam sido sobre suas conquistas militares? Sobre a adoração das massas que reverenciavam o divino César? Mal sabia Augusto que um Rei infinitamente maior do que ele tinha acabado de invadir a história — Aquele que estabeleceria um reino eterno, não com espadas, mas a partir de um cocho de animais.
A soberania por trás de Belém
Diante desta cena crua na hospedaria, somos tentados a pensar que José, Maria e Jesus foram vítimas de um acaso infeliz ou de uma burocracia cruel. Tirânica. Mas, ao olharmos com atenção, a cortina se abre e vemos que não havia improviso algum; havia apenas a sabedoria, a providência e a graça operando em perfeita sincronia.
O que parecia caos era, na verdade, a arquitetura divina.
Vejam:
1. A precisão do relógio de Deus:
Aquele nascimento não ocorreu em um dia aleatório. O relógio da história bateu a “plenitude dos tempos”. O cetro político havia sido tirado de Judá, sinalizando que o verdadeiro Rei de todos precisava chegar. O mundo estava unificado, as estradas romanas estavam abertas, a sabedoria humana estava falida e a religião, corrompida. Deus escolheu o momento exato em que o mundo estava exausto de si mesmo para oferecer a sua resposta.
Vejam ainda:
2. A exatidão do mapa de Deus:
César Augusto, em sua arrogância, pensou que estava movendo o mundo para encher seus cofres. Mal sabia ele que era apenas um instrumento inconsciente nas mãos do Todo-Poderoso, movendo Maria para cumprir a profecia de Miqueias. Não se deixe enganar, povo de Deus, homens poderosos assinam decretos, mas é Deus quem faz o atlas da história.
Por fim, notem:
3. A compaixão no modo de Deus agir:
E por que a manjedoura? Por que a pobreza abjeta? Não foi um acidente de hotelaria. Foi uma escolha soberana. Cristo rejeitou a majestade para dar acesso até aos pobres. Ele escolheu a escassez para que, através da sua pobreza, nós fôssemos enriquecidos. A manjedoura é o antídoto eterno de Deus contra o nosso orgulho e materialismo; ela nos ensina que a glória divina não precisa de conforto humano para brilhar.
Portanto, o que vimos em Belém não foi uma tragédia logística nem a vitória de um tirano, foi o triunfo da soberania divina. Tudo estava exatamente onde deveria estar.
Em todo o universo, apenas alguns poucos foram notificados a respeito do nascimento de Jesus. Lucas registra para nós as reações viscerais dessas testemunhas ao ouvirem sobre o maior acontecimento desde que Deus dissera “haja luz”.
A reação dos anjos
8Naquela noite, havia alguns pastores nos campos próximos, vigiando rebanhos de ovelhas. 9De repente, um anjo do Senhor apareceu entre eles, e o brilho da glória do Senhor os cercou. Ficaram aterrorizados, 10mas o anjo lhes disse: “Não tenham medo! Trago boas notícias, que darão grande alegria a todo o povo. 11Hoje em Belém, a cidade de Davi, nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor! 12Vocês o reconhecerão por este sinal: encontrarão o bebê enrolado em faixas de pano, deitado numa manjedoura”. (Lc 2.8-12)
A revelação foi progressiva. No templo de Jerusalém, Zacarias viu o anjo. Na privacidade de seu quarto, Maria o viu também. No inconsciente de um sonho, José o encarou. Mas agora, a barreira se rompe completamente. O mesmo anjo — Gabriel, o mensageiro da redenção — aparece em campo aberto.
E o que viram não foi uma luz suave; foi o “brilho da glória do SENHOR”. A Shekinah que habitava o Tabernáculo agora iluminava o relento. E o mais surpreendente não é a luz, mas o público. Deus não escolheu o Sinédrio. Ele escolheu pastores — homens rudes, malcheirosos, marginalizados, considerados impuros pela elite religiosa. Pior: um tipo de gente cuja palavra não valia nada em um tribunal. Mas foi a essa “gentalha” amada por Deus que o céu confiou a maior notícia da história.
E a mensagem foi um choque de realidade:
“Nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor!” (v. 11).
E vejam o que aconteceu em seguida:
13De repente, juntou-se ao anjo uma grande multidão do exército celestial, louvando a Deus e dizendo: 14“Glória a Deus nos mais altos céus, e paz na terra àqueles de que Deus se agrada!”. (Lc 2.13-14)
Nas mãos calejadas e sujas daqueles pastores, a maior jóia do céu foi depositada. Mas notem o contraste brutal que o anjo apresenta: Onde está a Criança real que convocou esse exército de anjos? Num berço de ouro? Não. “Deitado numa manjedoura” (v. 12). No cocho onde os animais comem.
Para os pastores, esse sinal era inconfundível. Eles sabiam o que era uma manjedoura. A alegria deles explodiu porque entenderam a mensagem: “Se o Cristo está num cocho, então ele é acessível a nós. Ele é verdadeiramente o Rei para todos os povos da terra!”
Mas há uma nota ainda mais impressionante.
Este Salvador nascido em Belém, que no início de sua vida é encontrado enrolado em faixas de pano e deitado numa manjedoura (Lc 2.7,12), será no fim, como relata o mesmo Lucas, enrolado num lençol de linho e deitado num túmulo (Lc 23.53). Impressionante.
Johann Sebastian Bach captura essa conexão de forma impressionante em seu Oratório de Natal. Logo na primeira parte, no canto coral “Como devo eu te receber”, Bach surpreende o ouvinte ao utilizar a melodia do hino “Ó fronte ensanguentada”, tema central de outro oratório seu: a Paixão Segundo São Mateus. Quem conhece, ao ouvir os acordes da morte de Cristo inseridos na celebração de seu nascimento, entende logo a mensagem: a sombra da cruz já se projeta sobre o berço. Bach faz lembrar que os anjos louvam a Deus por um bebê que nasceu com um propósito específico: morrer para salvar seu povo dos pecados deles.
A reação dos pastores
O texto nos diz que, diante da glória súbita, os pastores ficaram “aterrorizados” (v. 9). A primeira reação à manifestação de Deus não foi pulos de alegria, foi pânico.
Mas o anjo corta esse medo com uma ordem penetrante e graciosa: “Não tenham medo! Trago boas notícias…” (v. 10).
Há muito tempo sou fascinado pelo fato de que a primeira palavra do céu para a terra naquela noite foi:
“Vocês não precisam ter medo”.
A reação inicial dos pastores revela, na verdade, algo mais profundo do que um susto momentâneo com uma aparição sobrenatural, envolta em luz ofuscante. A verdade nua e crua, meus irmãos, é que todos nós, desde a queda no Éden, tememos a manifestação de Deus. Fugimos da presença dele. E disfarçamos esse medo.
Tentamos revesti-lo com folhagem de religiosidade ou de filosofias. Mas esse medo emerge em nossa consciência toda vez que Deus chega perto de nós.
Quando um parente, um colega de trabalho ou um conhecido qualquer menciona o nome de Jesus com verdadeira reverência e temor, chamando-nos para o evangelho, há algo dentro de nós que se retrai, um instinto de defesa que deseja silenciar aquele nome.
Por quê? Porque, lá no fundo, sabemos que o evangelho não é apenas um convite para melhorar de vida; é uma invasão de soberania graciosa para reescrever a nossa vida. Isso causa medo. Assusta-nos.
O que realmente nos assusta não são anjos brilhantes ou reflexo de glória, mas a proximidade de Deus, as implicações do senhorio de Cristo para o nosso suposto controle pessoal. Quando o evangelho chega perto de verdade, chega junto de nós, nossa mente explode com medos práticos:
“O que acontecerá se eu entregar meu coração totalmente a Cristo? O que as pessoas dirão de mim? Que diferença isso fará na minha reputação? O que isso fará com a minha família? O que ele fará com as minhas finanças? Onde eu vou parar?”
Temos medo de que Deus venha para desmanchar a vida que construímos ou impedir a realização dos sonhos que nutrimos. Temos medo daquele de quem mais precisamos. E é exatamente por isso que o Senhor Jesus Cristo, que jaz na manjedoura, enviou seu emissário para dizer antes de tudo:
10[…] “Não tenham medo! Trago boas notícias [evangelho], que darão grande alegria a todo o povo. 11Hoje em Belém, a cidade de Davi, nasceu o Salvador, que é Cristo, o Senhor! 12Vocês o reconhecerão por este sinal: encontrarão o bebê enrolado em faixas de pano, deitado numa manjedoura”.
(Lc 2.10-12)
É como se Deus estivesse dizendo:
“Vocês têm medo de que eu venha para tirar algo de vocês. Mas vocês estão enganados. Este mundo é que tira de vocês; o pecado é que tira de vocês; vocês é que tiram de vocês mesmos; eu venho de um mundo que dá. Eu não trago uma ameaça; eu trago boas novas de grande alegria, trago evangelho.”
E o evangelho vem sempre acompanhado de música:
13De repente, juntou-se ao anjo uma grande multidão do exército celestial, louvando a Deus e dizendo: 14“Glória a Deus nos mais altos céus, e paz na terra àqueles de que Deus se agrada!”. (Lc 2.13-14)
Resultado: com o coração disparado pela esperança, os pastores reagiram:
15Quando os anjos voltaram para o céu, os pastores disseram uns aos outros: “Vamos a Belém para ver esse acontecimento que o Senhor nos anunciou”. 16Indo depressa ao povoado, encontraram Maria e José, e lá estava o bebê, deitado na manjedoura. 17Depois de o verem, os pastores contaram a todos o que o anjo tinha dito a respeito da criança, 18e todos que ouviam a história dos pastores ficavam admirados. (Lc 2.15-18)
Eles não debateram teologia; eles correram para ver. A fé tem pressa: quer contemplar Jesus Cristo. E assim, os homens que cuidavam dos cordeiros para os sacrifícios no templo de Jerusalém tornaram-se os primeiros evangelistas a anunciar o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo.
Mas eles fizeram mais do que apenas ver e falar: eles adoraram. Ouçam o versículo 20:
Os pastores voltaram, glorificando e louvando a Deus por tudo que tinham visto e ouvido. Tudo aconteceu como o anjo lhes havia anunciado.
Aqui está o ciclo completo da adoração: (i) eles constataram a veracidade da mensagem do anjo: viram Jesus deitado na manjedoura, (ii) eles contaram a todos sobre o que ouviram e viram, e (iii) eles cantaram de volta para casa. Eles voltaram para o mesmo trabalho, para o mesmo cheiro de ovelha, mas voltaram transformados: com o coração cheio de louvor e adoração.
A reação de Maria
Em meio à música ensurdecedora dos anjos e ao alvoroço dos pastores, a câmera de Lucas foca em um rosto silencioso.
MARIA, porém, guardava todas essas coisas no coração e refletia sobre elas. (Lc 2.19)
Imaginem a cena:
Enquanto o mundo lá fora se agitava, Maria, no silêncio do estábulo, entesourava aquele momento. Ela havia protegido e nutrido aquele bebê dentro de si por nove meses. Agora, finalmente, ela encontrava face a face o seu “estranho íntimo” mais amado: o seu Salvador.
Maria o segura nos braços. Sente o peso dele. Aperta na palma da mão os dedinhos minúsculos de Cristo. Passa o dedo nos lábios delicados do Verbo que se fez carne. Alisa o tufo de cabelo do recém-nascido. Então, as pálpebras de Jesus lentamente se abrem e Maria encara, pela primeira vez, dois olhos tão profundos quanto a eternidade.
De repente, a mensagem do anjo, a profecia de Isabel, os relatos agitados dos pastores… tudo se conecta em sua mente. Ela está embalando a divindade. Ela está segurando o Senhor do Universo, seu próprio Criador e seu Salvador.
Naquele momento, Jesus começa a chorar. O Deus-Bebê está com fome. Instintivamente, Maria o coloca junto ao seio para amamentar. E um olhar de assombro toma o lugar do sorriso. Enquanto ela nutre Aquele que sustenta todas as coisas, ela pondera em seu coração o mistério insondável da encarnação.
E assim aconteceu o primeiro Natal… Os anjos cantaram. Os pastores contaram e adoraram. E Maria colocou tudo no coração, como se guarda um tesouro.
E você?
Nos dias e anos que se seguirão a esta noite em Belém, outros olhares se cruzarão com o de Jesus. E as reações continuarão sendo uma mistura explosiva de espanto, ódio e adoração.
Simeão e Ana chorarão de esperança no Templo. Os magos do Oriente dobrarão seus joelhos no pó. João Batista apontará com temor e tremor: “Eis o Cordeiro de Deus!” (Jo 1.36). Pedro confessará com ousadia: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo!” (Mt 16.16).
Mas haverá outros olhares.
Os fariseus o chamarão de blasfemo. Pilatos, em sua covardia política, lavará as mãos sem saber o que fazer com a Verdade em pé diante dele. E, finalmente, sob a sombra da cruz, um centurião romano exclamará assombrado: “Verdadeiramente este homem era o Filho de Deus!” (Mc 15.39).
E você?
Como você reage ao contemplar esta janela aberta das Escrituras nesta manhã?
Para você, quem é esse bebê na manjedoura?
Um mentiroso para ser denunciado? Um lunático para ser ignorado? Uma criação humana para ser ridicularizada?
Ou seria ele apenas um grande mestre moral? Um messias político? Um mero profeta ou santo?
A opinião mais comum é a de um Jesus “seguro”: um homem gentil que falava de amor e aceitação, mas que não faz exigências absolutas nem reivindica ser o único caminho.
No entanto, o Jesus dos Evangelhos — e o do Oratório de Bach — é mais desconfortável e complexo: é a criança na manjedoura que já carrega a sombra da cruz, exigindo do observador não apenas admiração, mas uma decisão de fé — uma fé que leva à submissão e à adoração.
É aqui que a busca termina: em Jesus. É aqui que se acha a verdadeira paz: em Cristo. Em se submeter a ele e o adorar. Os anjos cantaram: “Glória a Deus nos mais altos céus, e paz na terra àqueles de que Deus se agrada!” (Lc 2.14).
Mas que paz é essa?
Epicteto, um filósofo estoico — que viveu na mesma época em que o Novo Testamento estava sendo escrito, contemporâneo de Lucas, inclusive, embora mais jovem que ele —, fez uma observação brilhante sobre o mundo daquele tempo.
O Imperador César havia estabelecido a famosa Pax Romana. Ele havia eliminado guerras civis e varrido a pirataria dos mares. Mas Epicteto via as rachaduras nessa armadura. Ele escreveu:
Vejam que César parece ter-nos proporcionado uma grande paz; já não há guerras, nem batalhas, nem grandes assaltos, nem pirataria; pode-se viajar a qualquer hora, navegar do Oriente ao Ocidente. Mas pode ele, porventura, dar-nos a paz contra a febre? E contra o naufrágio? E contra o incêndio? E contra o terremoto? E contra o raio? Vamos, e contra o amor? Não pode. E contra a dor? Não pode. E contra a inveja? Não pode.
César podia controlar os exércitos, mas não podia controlar a angústia da alma humana. Ele podia dar paz nas fronteiras, mas não no coração.
Mas aqui está a promessa dos anjos, porque é a promessa de Deus em Jesus Cristo. Ele dá paz onde César falha. Ele dá paz porque ele é o Príncipe da Paz. Então aqui estão boas novas para todo o povo: o maior nascimento de todos os tempos traz salvação e paz ao coração.
Contudo, há uma limitação fascinante na declaração do cântico de Natal. Será que você notou isso?
“Glória a Deus nos mais altos céus”, todos os anjos cantam, “e paz na terra àqueles de que Deus se agrada!”
O coral de anjos não entoou:
“Glória a Deus nos mais altos céus, e paz sobre aqueles com quem Deus está bastante satisfeito”.
O catolicismo romanos, desde o período medieval — e muitas pessoas fora dele ainda hoje — interpretam mal a palavra de Deus nesse ponto e transformam Deus em uma espécie de Papai Noel de shopping center. Esses velhinhos fantasiados colocam crianças no colo e então perguntam através de sua barba branca: “Vocês foram bonzinhas este ano?”
Ah! mas o Deus que deu seu único Filho para a nossa paz, através da obra de sua cruz, não é um Papai Noel glorificado. Ele é um Salvador gracioso.
E a questão realmente não é, neste Natal ou em qualquer Natal: “A graça de Deus vem a mim porque ele está bastante satisfeito comigo?”. Jamais. A verdade libertadora é: “A graça de Deus vem a mim porque fiquei tão insatisfeito comigo mesmo que vejo que preciso do Filho Salvador enviado por Deus Pai.”
Você é capaz de reconhecê-lo na manjedoura da vida? Você já o recebeu verdadeiramente, como Salvador e Senhor? Você se regozija nele acima de tudo?
Que assim seja.
E Feliz Natal!
S.D.G. L.B.Peixoto.
Mais Sermões
Mais Séries
Um cântico nas vigílias da noite – O efeito do Natal
Pr. Leandro B. Peixoto