14.09.2025
Atos 2 nos transporta para o passado, para o ano 30 da era cristã, e nos revela como era a vida na igreja primitiva. Ali não vemos teorias humanas, nem estratégias de marketing espiritual. Vemos o plano de Cristo em ação, o Espírito Santo operando com poder, e um povo rendido à Palavra. Portanto, se desejamos de fato ser fiéis ao plano de Jesus para a sua igreja, não é ao Instagram que devemos recorrer, nem aos teóricos do movimento de crescimento de igreja, nem às propostas das igrejas emergentes que hoje ganham palco. Tampouco é à tradição, por mais respeitável que seja. É à Palavra de Deus. Atos, capítulo 2.
Leia:
Atos 2.42-47 (NVT)
42Todos se dedicavam de coração ao ensino dos apóstolos, à comunhão, ao partir do pão e à oração. 43Havia em todos eles um profundo temor, e os apóstolos realizavam muitos sinais e maravilhas. 44Os que criam se reuniam num só lugar e compartilhavam tudo que possuíam. 45Vendiam propriedades e bens e repartiam o dinheiro com os necessitados, 46adoravam juntos no templo diariamente, reuniam-se nos lares para comer e partiam o pão com grande alegria e generosidade, 47sempre louvando a Deus e desfrutando a simpatia de todo o povo. E, a cada dia, o Senhor lhes acrescentava aqueles que iam sendo salvos.
Já argumentamos, na última mensagem desta série (KOINŌNIA) — Um panorama da igreja primitiva — que neste pequeno parágrafo, Lucas nos entrega mais do que uma memória histórica; mais do que a ata de organização da igreja. Ele nos revela a essência da vida cristã em congregação — seus alicerces, seus vínculos, suas práticas, seu poder e sua vitalidade. Temos, em Atos 2.42-47, o modelo original da igreja.
Desde o início de agosto, temos refletido sobre koinōnia — a comunhão da igreja — como algo que vai além do culto dominical. Temos afirmado que a vida cristã exige encorajamento mútuo, exortação diária e discipulado relacional. Por isso, esta série de mensagens tem servido como uma introdução à prática dos pequenos grupos.
Defendemos que o púlpito é essencial, mas não suficiente. A Palavra deve fluir do púlpito para os membros, e dos membros uns para os outros. Cada crente, capacitado pelo Espírito, é chamado a exercer o ministério da Palavra na vida da igreja: em grupos, conversas, orações, aconselhamento, ensino e discipulado.
Mas a pergunta permanece: é isso que vemos na igreja primitiva? Para responder, voltamos nosso olhar para Atos 2.42-47 — o modelo original da vida em igreja.
Esse trecho ou perícope expande o que foi afirmado no versículo 41: é o Senhor quem acrescenta à igreja os que são salvos. Essa ideia se repete no versículo 47, formando um arco que emoldura a descrição da vida da igreja original.
O versículo 42 funciona como um cabeçalho, apresentando os quatro pilares de uma congregação ou igreja local: 1) doutrina apostólica, bíblica; 2) comunhão; 3) partir do pão; e 4) orações — que são detalhados nos versículos seguintes.
Na última mensagem, estudamos os dois primeiros compromissos da igreja primitiva: a doutrina dos apóstolos e a comunhão. Agora, nesta mensagem, voltaremos nossa atenção aos dois últimos elementos listados em Atos 2.42 — o partir do pão e as orações. Mas, antes de avançarmos, será importante recapitular brevemente o que já aprendemos.
1. Dedicação à doutrina dos apóstolos
Atos 2.42 revela não só a prioridade, mas o fundamento da igreja: a dedicação ao ensino dos apóstolos. Essa era a prática central das primeiras igrejas, pois sem o evangelho apostólico, não há verdadeira igreja — apenas ajuntamentos religiosos (cf. 1Co 15.1-4).
No versículo 43, Lucas mostra como essa dedicação se manifestava: os apóstolos realizavam sinais e maravilhas, desse modo confirmando a mensagem apostólica, e um profundo temor tomava conta de todos. Esse temor não vinha apenas dos milagres, mas da pregação poderosa que feria o coração e despertava arrependimento do pecado e fé em Jesus Cristo (cf. vs. 37-38). A igreja reconhecia nos apóstolos instrumentos do poder de Deus — em palavras e em obras — e se rendia com reverência à verdade proclamada.
Isso não aconteceu apenas em Jerusalém. Veja, por exemplo, o caso dos tessalonicenses. Ao abrir sua primeira carta àquela igreja, Paulo escreve, 1Tessalonicenses 1.5 (NVT):
“Pois, quando lhes apresentamos as boas-novas, não o fizemos apenas com palavras, mas também com poder, visto que o Espírito Santo lhes deu plena certeza de que era verdade o que lhes dizíamos.”
E no capítulo seguinte, ele testemunha, 1Tessalonicenses 2.13 (NVT):
“Nunca deixamos de agradecer a Deus, pois, quando vocês receberam de nós a mensagem dele, não consideraram nossas palavras meras ideias humanas, mas as aceitaram como palavra de Deus, o que, sem dúvida, são. E essa mensagem continua a atuar em vocês, os que creem.”
Ou seja, desde o início, a igreja reconhecia nos apóstolos instrumentos vivos do poder de Deus — em palavras e em obras. Não tratavam a pregação com leviandade. Recebiam-na como Palavra de Deus, com reverência e fé. E por isso perseveravam na doutrina dos apóstolos.
2. Dedicação à comunhão
Outro compromisso da igreja primitiva era a comunhão. Mas, segundo Lucas, essa comunhão (koinōnia) ia além de estar juntos ou repartir refeições. Ela significava ter tudo em comum — e se expressava de forma concreta e sacrificial: os crentes compartilhavam bens, vendiam propriedades e supriam as necessidades uns dos outros (At 2.44-45).
Não era coerção, mas voluntariedade (cf. At 5.4). Era cristianismo autêntico — fruto da fé, da esperança e do amor. Lucas não descreve essa prática como um ideal inatingível, mas como algo digno de admiração — especialmente para cristãos abastados, como Teófilo, o destinatário do livro. A intenção é clara: mostrar que o temor do Senhor transforma também a forma como lidamos com nossos bens. Como escreveu John Piper, essa comunhão radical foi o antídoto para atacar a destruição espiritual causada pelo materialismo.
3. Dedicação ao partir do pão
Além de se dedicar à doutrina dos apóstolos e à comunhão, aprendemos com Lucas que a igreja original também se dedica ao partir do pão. Atos 2.42 declara: “Todos se dedicavam de coração ao ensino dos apóstolos, à comunhão, ao partir do pão”.
Essa dedicação é detalhada no versículo 46: “adoravam juntos no templo diariamente, reuniam-se nos lares para comer e partiam o pão com grande alegria e generosidade”.
A ceia do Senhor
De fato, o “partir do pão” pode se referir à ceia do Senhor, quando a igreja se reúne em culto, em assembleia. Exemplo, 1Coríntios 10.16-17 (NVT):
“Quando abençoamos o cálice à mesa, não participamos do sangue de Cristo? E, quando partimos o pão, não participamos do corpo de Cristo? E, embora sejamos muitos, todos comemos do mesmo pão, mostrando que somos um só corpo.”
Neste texto, Paulo ensina que a ceia do Senhor é uma ordenança dada à igreja reunida. Ela simboliza que, embora muitos, nos tornamos um só corpo ao participarmos de Cristo. A Ceia, portanto, é o meio instituído pelo próprio Cristo para que o seu povo, congregado, proclame a sua morte até que ele venha — e reafirme, em comunhão, a fé apostólica que compartilham uns com os outros.
É por isso que Paulo instrui os coríntios: “Portanto, meus irmãos, quando se reunirem para comer [a ceia do Senhor], esperem uns pelos outros.” (1Co 11.33, NVT).
Ora, isso está muito claro: a ceia do Senhor não é um ato individualista, nem uma refeição para os pequenos grupos da igreja, tampouco para pessoas que, por enfermidade ou qualquer outra razão alheia à sua vontade, estejam impedidas de congregar. A Ceia é uma ordenança da igreja toda reunida, no mesmo lugar, como um só corpo (1Co 11.33). Assim como votos matrimoniais perdem o sentido sem a presença dos dois cônjuges, a Ceia perde seu propósito quando é separada da assembleia dos santos. Ela é uma refeição de família — e mais do que isso: é uma refeição de cidadãos do reino.
Na Nova Aliança, onde não há território físico, o povo de Deus — a nova humanidade (Ef 2.15) — se torna visível por meio de dois sinais: o batismo e a ceia do Senhor. O batismo é o pacto de entrada; a Ceia, o pacto contínuo. Por meio dela, a igreja reunida afirma quem pertence ao corpo de Cristo e proclama, publicamente, sua comunhão com o Rei. Não se trata apenas de autoexpressão espiritual, mas de identificação mútua como povo de Deus — uma proclamação comunitária: “[Nós,] embora sejamos muitos, todos comemos do mesmo pão, mostrando que somos um só corpo.” (1Co 10.17)
E, no grande Dia do banquete da Noiva com o seu Esposo, o Senhor Jesus Cristo, todos os redimidos — a igreja invisível, de todos os povos, tribos, línguas e nações — estarão reunidos diante do Senhor como um só corpo, comprado e purificado pelo sangue do Cordeiro (Ap 5.9-10; 7.9-10; 19.6-9). A Ceia, hoje, é uma antecipação sagrada desse dia glorioso. “Felizes os que são convidados para o banquete de casamento do Cordeiro” (Ap 19.9).
Crentes em comunhão
Pois bem, voltemos a Atos 2.46: “[Todos os crentes em Jerusalém] adoravam juntos no templo diariamente, reuniam-se nos lares para comer e partiam o pão com grande alegria e generosidade.”
Ainda que essa expressão possa sugerir a prática da ceia do Senhor — especialmente em um momento de transição na vida da igreja —, à luz dos textos de 1Coríntios que já examinamos, parece mais adequado entender que o partir do pão aqui se refere à comunhão à mesa, nas casas dos crentes. Trata-se da prática de refeições fraternas, vividas com simplicidade, alegria e generosidade — expressão concreta do amor cristão e da vida em comum.
De todo modo, o versículo revela que a convivência era algo precioso para os primeiros crentes. Além de se reunirem no templo para adorar, reuniam-se também nos lares para comer juntos — com grande alegria e generosidade. Eles amavam estar juntos. Dia após dia, partilhavam não apenas o pão, mas a vida. Esse era o tipo de amor que nutriram uns pelos outros: um amor vivido em santo temor diante de Deus — no templo e de casa em casa.
4. Dedicação à oração
A igreja original se dedica à doutrina dos apóstolos, à comunhão, ao partir do pão e, finalmente, à oração. Atos 2.42 registra: “Todos se dedicavam de coração ao ensino dos apóstolos, à comunhão, ao partir do pão e à oração.”
E o que podemos dizer sobre as “orações”? Leia, em complemento, o versículo 47a: “sempre louvando a Deus e desfrutando a simpatia de todo o povo.”
Quando se reuniam como igreja no templo, ou quando partilhavam refeições em suas casas, Lucas afirma que os primeiros cristãos se concentravam em Deus — eles louvavam a Deus. Não eram aqueles encontros “igrejeiros” em que se pode conversar a noite inteira sobre igreja, sobre teologia reformada, sobre doutrina, sobre os irmãos, sobre ministério ou qualquer outra coisa, ainda que nobre, mas não sobre Jesus. Definitivamente, eles não praticavam o fofocobol, mas a oração. Quando entravam em contato uns com os outros, entravam em contato com Deus. Eles oravam.
O que mantinha tudo isso coeso? Qual era a liga, a força motriz que tornava esses crentes dedicados à doutrina dos apóstolos, à comunhão, ao partir do pão e às orações? Por que eram tão desprendidos de suas posses? Por que se mostravam tão ansiosos em suprir necessidades? Por que estavam sempre cheios de alegria, generosidade, louvor e oração quando se reuniam dia após dia? Por que se importavam com a saúde espiritual uns dos outros? Enfim… O que os fazia perseverar?
A chave para destrancar esse segredo está no versículo 43, na frase: “Havia em todos eles um profundo temor” — um senso jubiloso e trêmulo de reverência, de que não se deve brincar com o Deus dos apóstolos.
Essa não é a nossa experiência, infelizmente.
Hoje, para a maioria das pessoas — inclusive para muitos que se professam cristãos —, Deus não passa de uma ideia para se discutir, uma inferência de um argumento, ou uma tradição familiar a ser preservada. Mas, para pouquíssimos, Deus é uma realidade viva — presente, inescapável, temível, deslumbrante, impressionante, assombrosa.
Deus foi domesticado. Tornou-se distante. Silencioso. Inofensivo.
Mas, onde estão as igrejas sobre as quais Lucas poderia dizer hoje: “Havia em todos eles um profundo temor” — ou: reverência, assombro, tremor? (At 2.43)
Lucas diria isso da SIB? Diria isso de você?
A ausência desse temor afeta diretamente a maneira como se despreza a pregação bíblica, como se negocia a sã doutrina, como se acumula bens apenas para si mesmo, a forma como se ignora os necessitados, como se banaliza a comunhão, como se descarta os pequenos grupos e o discipulado, e como se brinca mais do que se ora.
Essa é a razão pela qual nosso coração deveria ansiar por um derramamento extraordinário do Espírito Santo sobre a nossa igreja.
Senhor nosso Deus e Pai,
Em nome de Jesus, nosso Senhor e Salvador, oramos. Amém.
E agora, ao se prepararem para voltar ao mundo com a mensagem do evangelho, esta é minha súplica a Deus em favor de vocês:
Hebreus 13.20-21
Que o Deus da paz, que tornou a trazer dentre os mortos o nosso Senhor Jesus, o grande Pastor das ovelhas, pelo sangue da eterna aliança, aperfeiçoe vocês em todo o bem, para que possam fazer a vontade dele. Que ele opere em vocês o que é agradável diante dele, por meio de Jesus Cristo, a quem seja a glória para todo o sempre. Amém!
S.D.G. L.B.Peixoto.
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O Modelo Original da Igreja
Pr. Leandro B. Peixoto